O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

O passado era mais moderno

 

 

 

 

O passado era mais moderno

Leandro Alves

A peça era “Para dar um fim no Juizo de Deus”, do Teatro Oficina, do José Ceslo Martinez correia. A fila dos ingressos era enorme ali em frente ao Sesc Palladium. Zé celso vivo, teatro de primeira linha, gente bonita na fila. Ficar tanto tempo assim numa fila é enorme; mas quem esperava aproveitava para tocar violão, para paquerar, conhecer gente nova, bater um papo.

Calorão. Sol rachando.

Como sói acontecer, sempre que o calor chega, ali pelo lado do Shopping Cidade, a gente aproveita para apreciar uma casquinha de sorvete sabor baunilha, chocolate, mista, ou então aquele sundae no capricho. Dependendo do dia, uma água mineral geladinha para acompanhar o sorvete.

Foi aí que se deu a conversa entre um rapaz e uma menina na fila:

— La vai você de novo. Ficava falando que vai se controlar, que vai maneirar, mas não aguenta e acaba fazendo de novo. Pior: amanhã promete que vai fazer de novo.

— Mas o que foi que eu fiz?

— Ah, você sabe. Precisa lembrar aqui na frente de todo mundo?

— Aqui, relaxa. Para de pegar no meu pé. Eu, hem! Respira, fica calmo, para me encher meu saco.

— Mas você prometeu?

— Prometi o que, gente?

— Prometeu que ia se controlar.

— Você viu o calorão que está fazendo, não viu? Tenho que me refrescar, uai. Este tempo todo na fila para pegar ingresso.

— Sabe qual é o seu problema? Eu te falo: só que saber do supérfluo. Quer saber só de gastar, gastar, gastar.

— E qual o problema?

— O problema é que a vida não é assim não. Gastar, comprar, não levar nada a sério.

— Ah, cansei. Quer saber de uma coisa? Vá para o inferno!

No fim desta crônica, acho que ficou fácil perceber que esta celeuma toda era por causa de uma simples casquinha de sorvete de baunilha. Foi tão saboroso ver aquela menina ir buscar a casquinha de sorvete, tomar devagar, como um prazer pecaminoso, indiferente ao irmão de braços cruzados e de cara feia. Bom, vale lembrar que esta conversa aconteceu entre dois irmãos de aproximadamente vinte anos de idade. Não é que ela não abriu mão mesmo do sorvete de baunilha? Ele que fosse embora, fizesse cara feia, talvez bebesse um copo d’água. Só os poetas sabem que uma casquinha de sorvete às vezes pode siginificar bem mais do que uma simples casquinha de sorvete.

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Respostas de 2

  1. Verdade!! Amigo!!!
    O sabor que tem as coisas simples!
    Sem falar na transcendência do Teatro.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser