O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Crônicas fellinianas

Crônicas  fellinianas

Escritas por Leandro Alves

 

[ textos escritos depois da mostra sobre o Fellini, no Cine Humberto Mauro, BH, Palácio das Artes, durante o mês de junho e  até 03  de julho, 2024]

 

 

 

 

Crônica felliniana  1

Leandro Alves

Primeiro, um filme. Depois, o outro.

A minha vida era esta: ver uma sessão, outra depois da pausa para beber água.

“Noites de Cabíria”, “A doce vida”, “Oito e Meio”, “Amarcord”, “Julieta e os espíritos”, “Os boas vidas”.

E aí, qual seria o melhor filme do mestre italiano?

Os olhos hipnóticos de Giulietta Masina? A beleza de Anita Ekberg? A atuação de Marcello Mastrioanni?

Fugi de definições de melhor ou pior. Afinal, cada qual a seu modo, em diferentes momentos, colocavam-me na mesma atmosfera de sonho e encantamento.

 

 

 

Crônica felliniana 2

Leandro Alves

Uma mulher de oitenta anos, que resmungava para ter o primeiro lugar para retirar o ingresso, que estava sobrando. Uma senhora que entrava conversando com o marido no meio da sessão, indecisa quanto ao lugar onde sentariam, fazendo com que toda a plateia resmungasse para que ficasse calada, aquele sonoro “Shhhhh!”.

Outra senhorita, esta de meia idade, com o telefone no ouvido, passando o tempo todo na fila conversando em francês com um homem distante. Se algum conhecido a cumprimentava, ela o abraçava com um braço só porque com outra mão, para variar, ela segurava o celular, sempre falando com o seu francês.

De segunda-feira a domingo, sempre na fila do cinema, o mesmo homem, moreno e por volta dos cinquenta anos, me perguntava se assisti “O ano do dragão”.

Outro homem, falante e inteligente, bom de prosa e igualmente fascinando por Fellini, me contava que não poderia pegar filme muito tarde porque no Albergue onde ele dormir tinha hora para dormir.

Mocinhas, de mais ou menos vinte anos, suspiravam por Mastroianni e imitavam Anita Ekberg: “Marcello, come here. Hurry up”.

Outra mulher, cristã, saiu de “Satyricon” dizendo odiar Fellini e repetindo: Só Jesus na causa”.

Se na época do cinema italiano a plateia era hilária, não me deixaria a do Palácio das Artes fora da crônica.

 

 

 

 

Dirigindo de madrugada

Leandro Alves

Um tique nervoso de um homem aqui, as lágrimas femininas acolá, o velho senil, a beata religiosa, a prostituta da esquina, os solitários. Fellini havia comprado um carro dirigindo seu primeiro filme e, notívago que ele só, dirigia pelas madrugadas da cidade de Roma com seus amigos.

Dava carona para tudo quanto era gente que perambulava pelas ruas. Ia criando seus diálogos e coletando tipos humanos.

Anos depois, vendo suas películas, venerando cada uma delas, constato que um artista está sempre trabalhando e não tira férias nunca.

 

 

 

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Uma resposta

  1. Bela crônica amigo!!!
    VC com seu olhar sutil de Cronista nos brindando com suas observações pertinentes!!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser