O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

O amor que nós deixamos passar

Leandro Alves

Talvez o leitor não sinta o mesmo que eu, mas o fato é que a vida me lembra um daqueles filmes mudos em preto e branco antigos.  Homens e mulheres andam por aí como se fossem invisíveis, como se ninguém reparasse neles, como se a passagem deles pelas ruas fosse desinteressante. As pessoas reparam sim.  Como reparam! Às vezes, sem saber, a gente vive nas ruas situações hilárias, comoventes, tristes. A gente simplesmente não repara quando tem alguém olhando pra nossa mesa, pela janela do ônibus, na fila do cinema — a gente não vê quando alguém olha pra gente.

Vejo um homem negro, calmo, sentado no banco do ônibus com o olhar de quem olha pela janela da cidade e não vê nada e ninguém. Um olhar calmo, preguiçoso, triste. Eu estou alguns bancos atrás do dele no mesmo ônibus. Não sei o que me leva a olhar tanto para ele.  Opa, uma jovem loira olha para ele. Pelo menos uns vinte anos mais jovem. O olhar é de desejo, raro, decidido. Ele a percebe e gosta dela, mas não encontra energia para conversar. Descem do ônibus. Talvez nunca mais se vejam de novo.

Estou dias depois numa lanchonete, comendo pastéis de camarão e carne seca com um amigo, com uma Coca-Cola bem gelada. Olho para a avenida. Um carro e uma moto batem. Confusão.  O motoqueiro desce, chama o motorista do carro para a briga, (cena clichê), o rapaz do carro aceita. Epa, o motorista do carro é um personal trainer capaz de partir o motoqueiro ao meio.  O motoqueiro foge.

Será a palavra da ofensa mais urgente do que a do amor? Um homem chama no braço um desconhecido, mas não acha forças para conversar com uma mulher bonita que gostou dele.  Bem que eu queria que o casal do ônibus estivesse namorando.

Foto que ilustra a crônica: filme “Samba”, com Omar sy e Carlotte Gainsbourg, que vi no cinema e simplesmente adoro.

 

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Respostas de 2

  1. Olá, entrei por acaso neste blog. Também sou escritor, não necessariamente cronista, embora tente de vez em quando fazer crônicas. Quem sabe você dá uma passada lá no meu blog? Fica aqui o convite e um abraço.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser