O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Por telefone

 

 

Uma crônica de Leandro Alves

 

Por telefone

 

 

 

Na última semana, dois amigos me telefonaram, um moço e uma moça.

 

Ele, queria me falar de umas cantoras de MPB que está ouvindo atualmente; ela, divertidíssima, queria que eu a ajudasse a falar mal de uma moça do nosso grupo de forró, uma mulher que a gente detesta em comum.

 

Qualquer que fosse o motivo, percebi como a voz do outro se conecta com a gente: a voz de um amigo nos conta se ele está triste, alegre, eufórico, falando a verdade, mentindo.

 

A mensagem, não.

 

A palavra pelo Whatsapp ou e-mail é fria, distante, indecifrável.

 

Por Whatsapp, acontece algo também terrível: o outro conversa com você, a ex-namorada, o gerente do banco, o mecânico. Se algum perrengue surgir no meio da conversa, ele sai sem se despedir para retomar a conversa na quinta-feira da outra semana.  Conversar ao telefone não: na linha telefônica é só você e o amigo, a conversa não vai se misturar com três, quatro vozes. Se acontecer, é perigoso um dos amigos ficar à beira de um ataque de nervos. Maluco, para dizer o mínimo.

 

Confesso que um lado meu, bem moderno, perguntava se não seria melhor desligar, perguntar o que meus amigos queriam; o outro lado, do homem das antigas, redescobria o prazer de reconhecer como um amigo está apenas pelo tom de voz.

 

O tom de voz nos torna únicos, inconfundíveis, próximos, humanos.

Créditos da ilustração: dreamstime.com

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Respostas de 11

    1. Obrigado, Luiz Otávio Oliani! Feliz demais por você ter gostado, ter destinado seu tempo para ler, que a crônica tenha te tocado de alguma forma.

  1. Leandro Alves se um dia não ser reconhecido como um dos grandes escritores deste país, com certeza terão feito uma enorme injustiça com a história da literatura brasileira. O cara é excelente escritor. Digo isso e assino embaixo.

  2. Durante a leitura fui lembrando das ótimas notícias vindas pelo
    telefone…texto envolvente!

  3. Boa crônica. Parabéns, Leandro! O seu blog é muito bem feito, com boas impressões sobre o nosso cotidiano, sobre o comportamento humano e tudo mais. Continue.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser