O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Ah, os amigos!

 

 

Ah, os amigos!

Leandro Alves

“Amizades são como doces. A gente enjoa de doces quando come demais”.

Esta é a fala da mãe de um amigo, antes de falecer, que ele me lembrou hoje de manhã, depois de uma chamada de vídeo.

Impossível não concordar com ela.

Quando a gente passa da conta, a gente pode enjoar de tudo. Do prato de comida favorito, da música preferida, de viajar, de dançar. O exemplo da vez foram os doces, que eu adoro tanto quanto meu amigo.

Será que já te ocorreu que a gente pode enjoar de um amigo como enjoa de comer doces?

Mandar áudio de mais de cinco minutos e cobrar respostas, visitar o amigo todo fim de semana sem avisar antes, pedir favores de uma forma a sufocar qualquer pessoa, dar e exigir notícias de uma forma cansativa, cobrar atenção, sentar na mesa do amigo no bar quando este está numa conversa privada, ser portador de más notícias em tempo integral. Enfim, tudo pode fazer com que um amigo se canse do outro. Parece estranho, mas acontece.

Não, não sou tão ingênuo pensando que todas as amizades foram feitas para durar a vida inteira. Alguns amigos da adolescência ficam na adolescência, mudar de endereço pode fazer com que alguém mude radicalmente de amigos, amigos de solteiro costumam evaporar depois que alguém se casa, a gente pode procurar o rosto do antigo amigo e encontrar um estranho que a gente simplesmente não reconhece.

Sei bem que tudo isso acontece, mas o que quero dizer é do fim da amizade que a gente apressa sem notar.

De repente, a gente se torna uma presença pesada para os outros e não de dá conta. Um péssimo humor, quando muito frequente pode fazer com que um jeito de falar meio ríspido magoe o outro; cobrar atenção o tempo inteiro nos coloca na posição de crianças, obrigando o outro a assumir em papel paternal; gente sentimental e que reclama da vida geralmente é chata, cansa facilmente qualquer um.

Sim, talvez fazer amigos tenha algo a ver com comer doces. Comer chocolate de vez em quando, principalmente depois do almoço, pode ser um prazer quase como uma espécie de luxuria; mas comer chocolates além da conta, além de fazer mal para a saúde, pode fazer com que a gente não queria ver chocolates na nossa frente durante um bom tempo.

Dosar nossa presença na vida dos outros pode fazer com que algumas amizades durem muitos anos.

Tenho uma amiga sobre quem já escrevi pelo menos umas quatro crônicas. Espevitada, briguenta, com a gargalhada mais gostosa que já senti na vida. Mãe, avó, cronista, militante política e domina a arte de conversar com gente desconhecida onde quer que esteja.

Foi ela quem me deu a seguinte constatação: “Quer perder um amigo de uma vez por todas? É só você colocar na sua cabeça que só pode andar com aquele amigo”. Segundo ela não é bom a gente sair todo fim de semana com o mesmo amigo. Amigo casa, fica de péssimo humor, muda de cidade, de planeta, escolhe outros amigos. Fica chato, o que acontece muito frequentemente.

Ela continuou: “Sabe quem precisa ser seu melhor amigo? Você mesmo”. De lá pra cá, ficou como lição a arte de escolher e manter poucos amigos. Dosar a presença, dar tempo para o outro sentir falta, procurar tornar os encontros inesquecíveis como se aquele fosse o último.

Lembrando sempre que em meio aos rostos anônimos da multidão sempre há pessoas ansiando por sempre vistas e ouvidas. Quando alguém sozinho sai por aí e acha outro alguém sozinho, a solidão acaba.

Crédito da imagem: Pinterest

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Respostas de 2

  1. Amizade é muito importante mas, se for demais enjoa mesmo, como comer doces demais como VC falou!!!!
    Boa crônica amigo!!!!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser