Peladas do bairro
Leandro Alves
Em memória de Manuel Bandeira
O campo estava cheio naquela tarde de domingo, as traves finalmente tinham rede, o chão era de terra mesmo. Do lado esquerdo, um barracão sem rebocar. No meio de semana, na hora do batente, aquele movimento de pedreiros, ajudantes, meninos da casa indo para escola, além de uma moça jovem e bonita ( provavelmente filha do dono da obra) varrendo a casa e escutando rádio. Mas era domingo à noite. A bola corria para lá e para cá naquele campo de terra, os corpos que disputavam por ela eram suados, homens geralmente sem camisa. Do lado direito, dava para ouvir as palmas e a cantoria de um culto evangélico.
Os tipos dos jogadores era dos mais variados: meninos adolescentes magros, homens gordos, avôs, pais de família, homens solteiros. A variedade dos jogadores, a algazarra no campo.
Falar da mãe do juiz, tentar resolver pequenas divergências nos tapas, juiz roubando a torto e a direito, cada hora um time ganhando ou perdendo de goleada.
Mas o personagem da nossa crônica era ruim de bola. Avô, pai de família, aposentado. Tudo o que ele fazia era correr de um lado para o outro, suar o corpo, sofrer com faltar de ar, gol que era bom nada. Se ele roubava a bola de alguém, era um tal de “toca logo essa bola”. Se ele estava na cara do gol, os outros preferiam chutar para fora do que tocar a bola para ele.
“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.”, dizia Fernando pessoa.
Não é que uma noite dessas de domingo o nosso homem ficou o tempo todo na cara do gol, chutou umas bolas na trave, outras para fora. Num lance inesperado, a bola caiu nos pés dele e o chute foi certeiro. “Gooooool”, “É goooool”, “Golaço”, “Golaço”.
Aquele homem corria, todos o abraçavam, aplaudiam. De repente, ele caiu de joelhos na terra com as mãos cobrindo o rosto. “Eu nunca imaginei que haveria de fazer um gol na vida”, ele gritava.
Nem que fosse por poucos minutos, mas era o suficiente para que aquele homem simples saboreasse seu dia de glória.