O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Peladas de bairro

 

 

Peladas do bairro

Leandro Alves

Em memória de Manuel Bandeira

O campo estava cheio naquela tarde de domingo, as traves finalmente tinham rede, o chão era de terra mesmo. Do lado esquerdo, um barracão sem rebocar. No meio de semana, na hora do batente, aquele movimento de pedreiros, ajudantes, meninos da casa indo para escola, além de uma moça jovem e bonita ( provavelmente filha do dono da obra) varrendo a casa e escutando rádio. Mas era domingo à noite. A bola corria para lá e para cá naquele campo de terra, os corpos que disputavam por ela eram suados, homens geralmente sem camisa. Do lado direito, dava para ouvir as palmas e a cantoria de um culto evangélico.

Os tipos dos jogadores era dos mais variados: meninos adolescentes magros, homens gordos, avôs, pais de família, homens solteiros. A variedade dos jogadores, a algazarra no campo.

Falar da mãe do juiz, tentar resolver pequenas divergências nos tapas, juiz roubando a torto e a direito, cada hora um time ganhando ou perdendo de goleada.

Mas o personagem da nossa crônica era ruim de bola. Avô, pai de família, aposentado. Tudo o que ele fazia era correr de um lado para o outro, suar o corpo, sofrer com faltar de ar, gol que era bom nada. Se ele roubava a bola de alguém, era um tal de “toca logo essa bola”. Se ele estava na cara do gol, os outros preferiam chutar para fora do que tocar a bola para ele.

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.”, dizia Fernando pessoa.

Não é que uma noite dessas de domingo o nosso homem ficou o tempo todo na cara do gol, chutou umas bolas na trave, outras para fora. Num lance inesperado, a bola caiu nos pés dele e o chute foi certeiro. “Gooooool”, “É goooool”, “Golaço”, “Golaço”.

Aquele homem corria, todos o abraçavam, aplaudiam. De repente, ele caiu de joelhos na terra com as mãos cobrindo o rosto. “Eu nunca imaginei que haveria de fazer um gol na vida”, ele gritava.

Nem que fosse por poucos minutos, mas era o suficiente para que aquele homem simples saboreasse seu dia de glória.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser