O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

O tempo rodou num instante

 

 

O tempo rodou num instante

Leandro Alves

Convenhamos: às vezes a tecnologia varre muitos anos de socialização humana para debaixo do tapete. Todas as formas que muita gente tinha para interagir foram substituídas por tabletes, celulares, aplicativos.

De repente, a conversa humana passou a ser desnecessária. Conversar, rir da piada do motorista de táxi, perguntar ao dono do bar qual é a música que ele colocou para tocar, que a gente gostou enquanto passava na rua.

Reparem só num exemplo simples: quem é que para para pedir ou dar informações na rua? Quase todo mundo recorre a opções mais modernas: aplicativos de celular, GPS, mapas que são vendidos em bancas de revista. Se o celular pode calcular nossa rota, não há motivos para incomodar um estranho na rua.

Em outros tempos, as pessoas davam informações mais detalhadas do local onde combinaram um encontro com você. Diziam que o prédio ficava em frente ao Batalhão da Polícia, ao cinema, uma igreja, aos Correios. “Você pode jogar no Waze”, protesta o outro. Você protesta dizendo que o celular está acabando a bateria, mas o outro contesta dizendo que “o tempo em que você está conversando com ele poderia estar usando para procurar o endereço no aplicativo”. Pior: ao chegar no encontro você descobre que o local fica do lado de uma farmácia. Sim, a mesma que você passou em frente três vezes. Existe alguém capaz de te irritar mais do que seu amigo preferido? “Os amigos são nossos chatos preferidos”, dizia o poeta Mário Quintana.

Parece que o mundo moderno chega a dizer o tempo todo frases como “Não fale com estranhos”, “Não incomode”, “Não olhe para os lados”, “Não olhe para os outros”, “Esqueça da vida ao vivo e a cores pulsando ao seu redor”.

“Ao telefone perdeste muito tempo de semear”, dizia Carlos Drummond de Andrade.

Aí você se rende ao progresso e digita numa rede social o nome de alguns amigos e, surpreso, com o coração pulando de tanta alegria, recebe uma resposta de um jeito imediato. Você se lembra de que era muito difícil — para não dizer impossível, em alguns casos — conseguir o contato de um amigo que se perdeu no tempo. Aí você percebe que não há uma época melhor que a outra, sabe de que cada época se pode tirar lá suas vantagens. Ainda que pequenas.

Ilustração: Belo Horizonte ontem e hoje

Autor: desconhecido

 

 

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Respostas de 6

  1. Gostei muito desta crônica, amigo!!!
    É bom saber que não somos refens do tempo mas, sim passageiros de uma longa viagem!!
    Parabéns por transformar o tempo em crônica amigo!!!

  2. Excelente texto, Leandro Alves! O cronista tem um olhar afiado sobre a realidade que o circunda.

  3. Ah o tempo… ele não anda, ele corre! E assim é tb com todas as coisas, evoluem e mudam. O que não poderia correr nem mudar são as relações humanas, por isso vale a reflexão diária e o contato constante com o outro, com aquele e com esse… c todos!

    1. Obrigado. Rafaela! Se por um lado o progresso nos rouba muita coisa, pelo outro nos dá coisas de muito valor.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser