O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

A vida e seus rituais

Leandro Alves

Cada um de nós tem um ritual, algo que faz no piloto automático, seja um prato que cozinha só para si mesmo ( quando a gente pode fazer aquelas misturas mais estapafúrdias), seja colocar os chinelos ao pé da cama antes de dormir, qualquer coisa. Rituais não se restringem ao religioso, são coisas que têm muito a ver com a vida prática e é particular de cada pessoa.

Um dos rituais pode ser, por exemplo, comer pipocas e refrigerantes quando alguém vai ao cinema. Se não tiver um lugar onde comprar, a pessoa fica incompleta. Como se a ida ao cinema não tivesse valido muito a pena, como se tivesse perdido a caminhada, errado o caminho — por mais interessante que tenha sido o filme.

Outro pode ser sair para dançar no sábado à noite, beber com amigos, virar a madrugada na rua. Se tiver que ficar em casa um sábado sequer, a vida perde a graça.

Comer peru de Natal, comer rabanada no fim de ano, estourar champagne no Reveillon, vestir roupa branca para saudar mais um ano, reservar um lugar especial para o pai ou para a mãe à mesa. Não importa, a vida não passa sem um ritual.

Por falar em rituais, podemos falar de um bem mais moderno — leia-se insuportável, melhor dizendo — que é filmar e fotografar tudo e o tempo todo. Num evento, num show, num aniversário, numa festa de aniversário. Tem sempre alguém com uma câmera apontada para você enquanto você está distraído. Você leva o lenço no nariz para espirrar, olha para baixo e tem um rapaz ou uma moça de joelhos com a câmera apontada bem para o seu rosto.

Passar o réveillon na praia pode ser um, servir a visita antes de comer pode ser outro, tomar café sempre no mesmo horário e na mesma cafeteria, passar o natal em família.

Não tenho problemas com rituais. Claro, mas desde que a gente se esforce minimamente para fazer coisas diferentes de vez em quando. Ler livros que nunca leu, conversar com gente desconhecida, aprender uma palavra nova numa outra língua. O único ritual inegociável para mim é o cinema com refrigerante e pipoca. Escolher um horário em que o cinema esteja vazio, comprar refrigerante, se possível, pedir pedras de gelo no copo, se possível também, bacon na pipoca, sentar de frente para a tela e esticar as pernas. Depois, as luzes se apagam e o filme começa.

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Respostas de 4

  1. Vira e mexe nos pegamos repetindo hábitos, que já se tornaram rituais, sem nos darmos conta. E mesmo alguns passam de uma geração a outra.
    É interessante termos um olhar sobre estes fatos!
    Obrigado por sua ótima crônica, amigo!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser