O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Choro

 

 

 

Choro

Leandro Alves

Saí para pagar umas contas pessoalmente no banco, não gosto de fazer tudo pela internet. Gosto de olhar a vida pulsando, ao vivo e a cores, como as pessoas conversam, comem, se vestem, os tiques nervosos.

Penso que na multidão de gente anônima que anda nas ruas muita coisa se vê, salta aos olhos, detalhes que se observados de perto, podem parecer interessantes.

Saí conscientemente disposto a enfrentar uma fila, sabendo que as filas demoram muito, consomem uma tarde inteira, enchem a paciência de qualquer um.

Aquela fila era enorme. Só que foi uma escolha.

Eu me distraí olhando para as pessoas, como estavam vestidas, como conversavam. o que faziam para passar o tempo.

Duas irmãs à minha frente. Uma delas, gordinha e da fala firme; a outra, jovem, tímida e de cabelos anelados.

Os ânimos se exaltaram. A gordinha começava a dizer para a outra deixar de ser folgada, que tinha que ajudar em casa sim, parar de vida mansa.

A outra irmã era mais tímida, mas falou poucas e boas. Que a outra não mandava nela, que cuidasse da própria vida, que a deixasse em paz.

Uma falava. A outra rebatia.

A tímidez fazia com que aquela moça de cabelos anelados olhasse para baixo, que falasse de um jeito meio que atrapalhado, tremesse um pouco as pernas. Era fácil ver que tentava ter coragem para bater de frente com a outra, mas o mundo não é nada fácil para os tímidos.

Até que a moça tímida começou a chorar. De soluçar e tudo. Sem esconder nada. E precisava?

A outra se desarmou, abriu os braços para um abraço, deixou que os braços envolvessem a outra e dizia algo do tipo “Vai dar tudo certo”, “Eu te amo”.

Não, a outra não parecia folgada ou coisa do tipo. Parecia mesmo uma menina jovem, bonita, ingênua e sem saber muito o que fazer da vida. Só que era tão nova e tão bonita que tive certeza que logo as coisas se arranjariam.

Por enquanto, o que estava dando certo ali era o amor vencendo o ódio. Aquela dor anônima ali aparecendo, ganhando forma, sumindo diante dos meus olhos. Sempre tive curiosidade de saber por qual motivo as pessoas choram. Acho que todo choro tem sua razão de ser. No Anonimato das grandes cidades as pessoas levam suas vidas, se misturam aos outros, escondem suas dores e os motivos para o choro. Saem no meio da multidão, muita gente deve causar inveja, aparentando uma alegria que não passa de uma máscara. Sendo que o fato é que todo mundo sofre. Sofrer não é bom, mas não dá para evitar. Sofre o rico, o pobre, o bonito, o feio, o velho e o jovem. Quanto choro por aí que um cronista sequer tem notícia.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser