O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Meus versos eróticos preferidos

 

 

Meus versos eróticos preferidos

( Depois de ler as crônicas safadas do Reinaldo Moraes no livro “O cheirinho do amor ”)

Leandro Alves

Já faz tanto tempo, mas é impossível esquecer uma apresentação de teatro amador que fiz quando eu tinha dezoito anos. Era um teatro de arena, num domingo, o sol rachando e todo mundo ganhou uma garrafinha de mineral. A monitora do grupo era uma morena cor de jambo ( adoro falar e ouvir morena cor de jambo), magra, falante, vinte e oito aninhos, namoradeira, uma das mulheres mais debochadas que já vi na vida. A moça era sapeca, se é que me entendem. Aí eles deram uma água mineral geladinha para a gente refrescar a garganta e esperar a apresentação. Até que a monitora do grupo derramou água nela mesma. “Gente, molhou minha perereca”. Eu perguntei: “O que aconteceu?” Ela abriu as pernas, deu uns tapinhas  naquele lugar e falou com a maior naturalidade do mundo: “Molhou minha perereca”. Fiquei tímido com o modo dela falar, os tapinhas no meio das pernas, aquele jeito de rir sapeca. Ela gostava de usar óculos escuros, vestidos coloridos, fazer umas trancinhas de um lado e do outro e de falar sacanagem. Aliás, era engraçado porque eu tinha  sido ensinado a não falar sacanagem perto de menina. Só que ela adorava falar. Uma mulher gostar de falar sacanagem, o que me deixava boquiaberto.

Dias atrás, fui no Portal da Crônica Brasileira e me deparei com uma crônica saborosíssima. O título é “Jogando sério”, do mineiro Otto Lara Resente. Lá vai um trecho: ” Digo perereca e ela ri. Não sei o que fiz todo esse tempo para só agora perceber que perereca, a simples palavra, é engraçada. Estive distraído. Deixei de lado o essencial, para me entreter com o transitório. O contingente. Malbaratei meu tempo atrás de bagatelas. Nonada. Quantas vezes alvejei o vazio. Brigas de homem, tempestade em copo d’água. Ainda há pouco, dia-hoje, olhava longe o difuso horizonte. ”

Otto é o menos conhecido que Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e muito mais que o poeta Hélio Pellegrio, ótimo por sinal. Mesmo assim Otto Lara Resente escreveu as crônicas deliciosas de “Bom dia para nascer”, as novelas de “A testemunha silenciosa”, além dos contos de “Boca do inferno”. Livros que adoro, mas é esta crônica que me devolve aos dezoito anos ao decobrir como é engraçadinha, ingênua, ao mesmo tempo gostosa a palavra perereca.

Também não consigo ouvir a palavra água mineral sem pensar em sacanagem. Viram como esta coisa de erotismo é muito particular?

A crônica que que citei acima não é um poema, mas tem poesia. Só que o que quis mesmo hoje é escolher entre meus poetas favoritos os poemas mais safadinhos, explícitos ou não, de qualquer época, sendo homem ou de mulher.

“Roseira brava”, de Florbela Espanca. Citando um trecho: ” Há nos teus olhos de oiro um tal fulgor / E no teu riso tanta claridade, / Que o lembrar-me de ti é ter saudade/ Duma roseira brava toda em flor./ Tuas mãos foram feitas para a dor, / Para os gestos de doçura e piedade; / E os teus beijos de sonho e de ansiedade/ São como a alma a arder do próprio amor!/ Nasci envolta em trajes de mendiga;/ E, ao dares -me teu amor de maravilha, / Deste-me o manto de oiro de rainha!/ Tua irmã … /Teu amor…/ e tua amiga… / E também, toda em flor, tua filha / Minha roseira brava que é só minha.”

Este poema foi feito para o irmão da poeta, o Apeles Espanca. Ler poesia erótica é querer quem a gente quiser, como a gente quiser, do jeito que quiser. Se vai acontecer ou não, é outra história.

Outro que adoro é o “Soneto para um pau decifrado”, do Bocage. É assim: ” É pau, / e, rei dos paus, / não marmeleiro / Bem que duas gamboas lhe lobrigo; / Da leite, / sem ser árvore de figo, / da glande o fruto tem, / sem ser sobreiro: / Verga, e não quebra, / como zambujeiro;/ Oco, qual sabugueiro tem o umbigo; “.

Pulo para o final do soneto:

“Para caralho ser falta um U; / Adivinhem agora que pau seja, / E quem adivinhar meta-o no cu”.

Uma sacanagenzinha quem não gosta, não é? A gente pensa em quem quiser pensar, fala os poemas nos ouvidos de quem a gente bem entender. Pode ser alguém proibido, mas pode ser quem a gente ama. Quem não leu as cartas pornográficas que o escritor James Joyce fez para a própria mulher?

O bom de livro erótico é que pode ser lido num café, num banco de praça, numa fila de cinema. Enfim, em qualquer lugar. Se o leitor for homem, ele bem que corre o risco de ser flagrado em público de pau duro com um livro na mão. Você levaria numa boa?

Olha, eu jamais imaginei que eu me lembraria de tanto poema erótico assim. Eu me lembro de um e vem outro, outro, outro, e mais outro.

Sou fascinado também com o “Desnuda”, do chileno Pablo Neruda. Leio em espanhol mesmo: ” Desnuda eres tan simple como una de tus manos: / lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente./ Tienes lineas de luna, / caminos de manzana./ Denuda eres delgada como el trigo desnudo.”

Caiu bem ao meu gosto.

Dizia Vinícius de Moraes: ” De tudo, ao meu amor serei atento/ Antes, e com tal zelo, e sempre e tanto / Que mesmo em face do maior encanto/ Dele se encante mais meu pensamento.” É conhecidíssimo “Soneto de fidelidade”.

“Onde está o erotismo aqui, cara pálida?” Tenho certeza de que algum leitor está me perguntando.  Está no amor. Um sorriso da mulher amada, a voz ao telefone, gestos que podem ser mais bonitos que muita trepada por aí. Ou como diz o Marcelo Mirisola citando o Reinaldo Moraes: “Você ainda vai gozar dentro da mulher que você ama”. É uma profecia. Gostou, não gostou?

Ainda com Neruda: ” Quita – me el pan si quieres / Quita -me el aire, / Pero no me quites tu risa… / ”

Pensou numa mulher que você queria que sorrisse para você hoje? Então, ela mesma.

Este da Leila Mícolis eu cito inteiro:

“Leila Míccolis

Poema para os teus seios

Cerro olhos pra não ver,
e mãos pra não apalpar,
e bocas pra não chupar
teus seios.
Desejo beber teu leite,
azeite de oliva branca,
e provar com minha língua
o macio do teu peito.
E se em inútil trabalho
te afasta a blusa de mim,
eu, por inúmeros meios,
cerro olhos para ver
e bocas para chupar
teus seios.”

Só que o meu poema favorito mesmo vem agora. “O sonho de Berta”, do Parnasiano Alberto de Oliveira. Cito um pequeno trecho: “Soltando o cabelo de ouro/ Ao deitar-se, ondeante e farto./ Viu Berta lhe entrar no quarto num besouro/ — Já agora, exclamara ela. Não levanto, é capricnho. Para mostrar a esse bicho a Janela: / Nem da toalha um açoite/ Farei contra este besouro: / E sem mais, senhor agouro, boa noite”.

O poema é enorme e achei melhor digitar só um trecho. Só que pensa: você é um besouro. Um besouro não é convidado para para entrar no quarto de moça alguma nesta vida, ele invade.  Você ficaria ali zumbindo, olhando a moça se despir a vontade, dormir o sono profundo, sendo esmagado durante um par de seios volumosos.  Não estou falando para ninguém sair invadindo janelas por aí janelas por aí na realidade, mas não custa nada imaginar.  Eu já pensei numa centena de janelas onde eu iria. Você também pensou?

 

Ah, a Berta. Esta gatinha.

 

Crédito da imagem: Hypines

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Respostas de 2

  1. Penso que todo esse erotismo é no fundo romântico!
    Gostei da crônica amigo!
    Sucesso sempre!

    1. Pois é, Genilson. A única forma de viver neste mundo e de amar quem quer que seja é através do nosso corpo. Com ele nos conectamos com a vida, com os outros, com o mundo. Muito obrigado, amigo! Fico tão feliz ao te ver por aqui.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser