O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Buki Sarampo

 

Buki Sarampo – Leo Canhoto e Robertinho – Álbum – 1971

 

Buki Sarampo

Leandro  Alves

 

Quando eu era criança, um disco marcou a minha vida: “Buki Sarampo, de 1971, da dupla Leo Canhoto e Robertinho. Naquela época não havia no mundo internet, música pelo Spotfy, YouTube, nenhuma dessas facilidades que a gente tem hora. Hoje em dia ninguém tem paciência para abarrotar cômodos da sua casa com discos de vinil e C’ds; na época era sinônimo de poder, dinheiro, de ser inteligente.

“Eu sou o Buki Sarampo, ihuuuuuu”. Eu era fascinado por este grito acompanhado pelo som dos tiros de espingarda, o trote dos cavalos, o grito das pessoas implorando para não serem mortas. Se você leu “A hora e a vez de Augusto Matraga”, se pelo menos viu a ópera “Matraga”, no Palácio das Artes, posso te contar que o Buki Sarampo tinha os mesmos trejeitos e sotaque do Seu Joãozinho Bem bem, personagem do nosso Guimarães Rosa. Cangaceiro, vilão, divertido em alguns momentos.

Aquilo mexia muito comigo, mas eu não tinha amigos para compartilhar com eles. Era meu, um prazer genuinamente meu, uma alegria solitária, não era um programa de televisão que todo mundo assistia — esta alegria eu só experimentaria mais tarde lendo livros. Na verdade, este disco me preparou para ser o leitor de livros que sou hoje.

Porém, tinha um único inconveniente que era o fato de eu não ter não apenas o vinil, como também o toca-discos. Quem tinha o disco “Buki Sarampo”, se bem me lembro, era um primo de cara fechada que vivia me enxotando da casa dele. Ele me olhava com raiva, dizia para eu ir embora, dizia agora chega, tem jeito não.

Até que meu pai me levou na casa de uma tia, hoje falecida. Ela sentava com meu pai para tomar café com biscoitos, trocar um dedo de prosa e me levava para dentro da casa dela para eu ficar ouvindo a faixa do Buki Sarampo a tarde inteirinha. Acompanhado por chá e biscoito, naturalmente.

O mundo mudou num piscar de olhos. Ninguém hoje compra discos, possuir um disco de vinil não dá poder para ninguém e, quanto ao referido disco, está completo no Spotfy e no YouTube. Não preciso bater na porta de vizinho algum, posso fazer sozinho; mas ao ouvir, sinto minha tia vir trazer chá e biscoito: “Quando acabar o Buki Sarampo, eu ponho de novo para você”. Buki Sarampo é uma das faixas, entre as divertidíssimas outras músicas do disco como “Vai comer formiga”, “Burro tem que comer capim”, “Lágrimas de uma mulher e outra”.

Naquela época as pessoas se falavam por telefone, ouviam discos de vinil, visitavam umas as outras, os meninos jogavam bola na rua, os vizinhos conversavam na porta da casa deles. Hoje tudo isso se faz pela internet e a vida parece estar na palma da mão através do celular, inclusive o disco que me divertia tanto quando eu era criança. Como me divertem hoje os livros.

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Uma resposta

  1. Que legal saber um pouco de sua história amigo!!!!!
    Deu uma vontade de ouvir esse disco!!!
    Deus te abençoe e obrigado por compartilhar conosco sua infância!!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser