O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

A carteira

 

 

 

 

A carteira

Leandro Alves

 

Horário de pico, estou na fila para entrar no ônibus. Mulheres viajam em pé carregando sacolas de compras e segurando no corrimão, meninos esbarram nos passageiros de trás com a mochila nas costas, gente sentada nos bancos, gente de pé, a maioria com aquela cara emburrada, de poucos amigos, parecendo maracujá de gaveta. Foi na fila que eu vi a companheirinha pela primeira vez. Era uma carteira. Não carteira de colocar no bolso não, mas uma mulher que entrega cartas na casa da gente. Baixinha, morena, com o cabelo amarrado num coque, boné dos correios, uniforme, pasta. Tudo. Ria gostoso, falava alto, atraía atenção. Há dias queria puxar assunto com ela, mas aguardava oportunidade. A oportunidade finalmente chegou, a gente está sentado no mesmo banco preenchendo o tempo cansativo com um bom papo.

— Pobre não serve para ter dinheiro não, não é, moço?

— Ué. Todo mundo gosta de dinheiro. Como assim?

— Tem gente que não gosta não, moço. Se ganhar dinheiro, joga fora. Sai emprestando para todo mundo, gasta tudo de uma vez, dá tudo para os parentes.

— Mas o que é isso, meu Deus do céu?

— É que a empresa mandou a gente para um curso de qualificação no Rio de Janeiro, sabe? Era assim: a gente fazia o treinamento, ia para o hotel descansar, tomava banho e ia para a praia.

— Ok, mas isso é bom. Não é?

— Claro, mas tem gente que é besta.

— Entendi não.

— É que na hora de ir para a praia a arrumadeira chegava no quarto para limpar, mas umas colegas minhas falavam “pode deixar que eu limpo”.

— Mulher assim pode ter empregada? Moço, tem gente que não serve para ter dinheiro mesmo não. Se tivesse empregada, ela ia ficar o dia inteiro vendo televisão, assaltando a geladeira e esperando a hora de ir embora.

— E você? Não ajudou a limpar?

— E eu lá sou besta? Se a gente fizer assim, a arrumadeira fica mal acostumada.

Ela ri gostoso, gesticula e falava alto, eu olho para um lado e para o outro, vejo os passageiros se acabando de rir e não resisto à uma gargalhada.

Saio do ônibus pensando numa entrevista de Nélson Rodrigues: “Humildade a gente pede para o Papa e para os reis. Gosto do povo é com mania de grandeza.” Assino embaixo.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser