A moça feia
Leandro Alves
Desde que iniciei minha vida de escritor, comecei a ser procurado por gente querendo conselhos sentimentais. Um vizinho mais velho que está separado da companheira, uma vizinha minha amiga desconfiada que o marido a traía, um solteirão amigo da minha família apaixonado pela vendedora da loja de imóveis, um amigo que tem uma amante, uma colega da faculdade que cultiva uma paixão platônica. Um inferno! Inútil explicar que o amor nem sempre é do reino das palavras, que um cronista pode ser tão desajeitado quanto qualquer um quando se trata de vida real.
Pois bem, lá se vão uns bons cinco meses desde que coloquei no ar o Preciso de uma crônica, O Blog do Leandro Alves. Pois é, então. Não é que me vem mais um sujeito procurando por conselhos amorosos? Pensei em botar o rapaz para andar, mas ao ler o e-mail dele senti tanta pena. Eu não consegui parar de chorar de tanto rir, mas ao mesmo tempo eu queria tanto ajudar.
Vamos chamar o homem por aqui de Fefeu. Ele tem por volta dos cinquenta anos, mora no bairro Sagrada Família, solteiro, vive como motorista de táxi e um apartamento de aluguel. Ele nunca se casou, mas alguns amigos o apresentaram uma moça recentemente. Não achou lá muito graça na moça, mas amigo quando quer botar pilha.
Numa sorveteria perto de casa ele conversou com a nova amiga, achou boazinha, trabalhadeira, logo estava aos beijos com ela. Chegou no ouvido dela e disse mais ou menos assim: “Você é linda”.
Foi para casa e voltou a rotina de trabalho e cuidar da mãe doente. Outro dia, no ponto táxi, ali pela hora do almoço, quando não tinha nenhum passageiro, foi um amigo que cantou a bola: “Eu não sei o que deu em você. Aquela mulher é feita demais”.
O meu amigo descobriu porque nada na moça mexia com ele: descobriu que ela era feia. Boazinha e muito trabalhadeira, coitada. Mas feia, de um jeito que não dá para esconder.
Devia ser muito bom amar uma pessoa ignorando a feiura dela, mas fato que é amor e bondade nem sempre andam juntos. Aliás, quase nunca andam. São duas coisas opostas, como água e óleo, que jamais se misturam.
Quando descansava no domingo da semana seguinte, alguém bateu palmas no portão. Era ela. “E agora, meu Deus?”. Resolveu atender. Explicou que o problema não era com ela, mas com ele. Pediu desculpas, disse que foi um engano, que não quisesse mal para ele, que poderiam ser amigos. Essa xaropada toda, quando a gente quer que alguém desencane da gente.
Não seria tão fácil assim, mal sabia o nosso amigo. A moça bateu palmas na casa dele outras vezes, leu eu voz alta trecho de diários que ela escreveu, cartas de amor, oração contra a inveja. Dizia coisas como “O amor vem com o tempo”.
Pior do que isso: ele mal sabia a capacidade de mobilização de mulheres assim. Ela são feias sim, mas de uma beleza interior tão notória que todo mundo gosta delas. Num instante ela conquistou: os taxistas do ponto de táxi, o comerciante do mercadinho, a vendedora da farmácia, as enfermeiras do posto de saúde, o pessoal do sacolão. “Dá uma chance para ela”, “Coitada”, “Ela gosta tanto de você”, “Quem escolhe demais, acaba escolhido”. Eu acho que eles queriam dizer excluído, mas deixa pra lá.
À essas alturas ele queria se mudar até de planeta.
Como minha avó dizia: “Não há mal que nunca acabe, mas não há alegria que dure para sempre.” A moça apaixonada da história casou-se. Desistiu do nosso personagem, deixou que ele vivesse a vida dele em paz. Mudou de casa, foi viver com o marido, teve uma filha pequena e foi depois disso que Fefeu a encontrou perto da banca de revistas do bairro. Sem o marido por perto, daquela vez.
Pediram notícias um do outro. Conversaram um pouco. “Está vendo? Ela bem que poderia ser nossa filha”.
Uma resposta
Que crônica maravilhosa, amém amigo!!!!
A gente vai se envolvendo com a narrativa!!!
Um deleite!!!