O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Cafezinho

 

 

 

Cafezinho

Leandro Alves

Já reparou na solenidade que tem o ato de tomar um café?

Um café quente, logo de manhã, aquecendo o corpo, despertando a gente para o dia.

Não sei quanto a vocês, mas tomar café está longe de ser algo banal.

Café com pamonha, com pão de queijo, com biscoitinho, com bolo de cenoura, com misto- quente, com rabanada, com açúcar, sem açúcar, com adoçante. Vai ao gosto do freguês.

O que sei é que tomar café tem alguma coisa a ver com começar de novo, com olhar para o dia e saber que a gente está vivo, respirando, o que por si só já é motivo de alegria.

Qual é a sensação de tomar café numa padaria de uma outra cidade, como se a gente sempre tivesse morado ali, ouvindo um sotaque diferente, com aquela sensação de sempre ter vivido ali?

Qual é a sensação de tomar café olhando o mar, quando na cidade da gente não tem mar, olhando gente que não está ali de passagem: as garçonetes das padarias, os salva-vidas da praia, os camelôs, os donos das barracas?

Qual é a sensação de tomar café sendo turista numa cidade que a gente sente como se tivesse morado sempre ali, mas sabe que talvez a gente nunca mais volte lá?

Tomar café nos lembra que o dia recomeça para o pedreiro, para o médico, para o lixeiro, para o rico, para o pobre, para os chatos, para os “boa gente”. Numa boa, a vida parece tão justa e democrática dando o mesmo presente para tanta gente ao mesmo tempo. Ou seja, o presente de saber-se vivo.

É bom lembrar das passagens de ano que passamos ao lado de alguém, das festas, da madrugada; mas é incrível lembrar de gente que tomou café com a gente, saboreando aquela broa de fubá quentinha, lembrar qual foi o tema da conversa naquele dia.

Café com ovos mexidos, pão integral com sardinha, um pedacinho de queijo, pão na chapa.

Pode ser num bar de um bairro pobre, numa biscoiteria, em copos de plástico, na xícara. Se a gente estiver acompanhado, está com a cabeça fresca para conversar. Se o dia anterior foi aborrecido, o aborrecimento ficou no passado.

E o sentimento de acordar de estômago vazio e ir tomar café com alguém em algum lugar? Sair em jejum, de ônibus, de táxi e ir ver o outro para tomar café com ele. Quem nunca?

É tão bom ver à distância motoristas de táxi tomando café juntos, motoristas de ônibus, pais e filhos, casais, talvez simplesmente um desconhecido que puxou papo e a gente aceitou.

Tomar café sozinho ou sozinha também vale. Lendo um poema, começando um livro, prestando atenção nos outros ao redor.

Bom, o que importa mesmo é aquela sensação de tomar um café bem quente, deixar que ele aqueça o corpo, lembrando que a vida recomeça todos os dias. Sem falta. Pontualmente. Para todos.

 

Crédito da imagem: Pinterest

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Respostas de 3

  1. Amigo que crônica maravilhosa!
    Parabéns!
    Eu amo tomar café e fazer as coisas que você descreveu na mesma!
    Deus te abençoe!!!!

    1. Tomar café é algo poético, Genilson. Quando você toma, o café aquece seu corpo, desperta para mais um dia e você pode fazer tudo diferente.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser