O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Com licença, você quer dançar comigo?

 

Com licença, você quer dançar comigo?

Leandro Alves

 

Um amigo que eu adoro me perguntou outro hoje de manhã — quando a gente falava o quanto eu gosto de um barbeiro que cortou cabelo e fez minha barba, dono de uma barbearia que eu gosto de indicar, que eu queria indicar inclusive para ele, o amigo — “Você por um acaso é amigo dele para gostar tanto assim do cara?”  O que eu queria é que se sou cronista, se sou um caçador de histórias por aí, sói acontecer que, proseando com um ou com outro, eu pegue amizade com um porteiro aqui, uma garçonete acolá, uma varredoura de rua ali e, por conseguinte, eu goste delas. Em todo caso é melhor gostar do que desgostar, não é?

A conversa de manhã me lembrou de uma garçonete que conheci uns anos atrás. Foi num bar que ficava lá na Praça da Liberdade, que funcionava como bar durante a noite, mas cafeteria durante o dia. Lá tinha uma garçonete, a Rosa, uma mulher de meia idade, espevitada, que apresentava um freguês para o outro e formava uma verdadeira turma ali conversando, numa camaradagem tipicamente brasileira. Aliás, a Rosa era também uma oportunidade de paquerar as moças bonitas da Praça da Liberdade — com toda segurança, leitor, as mais bonitas da cidade.

Desta simpatia toda da garçonete, surgiu a ideia de montar um grupo de forró com os fregueses da cafeteria que, num número equiparado de homens e mulheres, sendo que um deles, também frequentador assíduo, era justamente um professor.  As aulas aconteceram durante um tempo, sempre na sexta-feira à noite, numa faculdade ali perto da Avenida João Pinheiro; porém, não duraram muito. Afinal, o horário de trabalho de cada um não batia.

Mas valeu, não valeu? Se alguém não gostar de uma mulher como a Rosa, vai gostar de quem. Por favor, alguém me explica.

Levando se em conta que a maioria das pessoas passa mais tempo correndo para lá e para cá do que, digamos, com seus respectivos amigos, é compreensível que se nasça no Brasil amizades entre porteiros e moradores, motoristas de ônibus e passageiros, recepcionista e cliente.

Pelo que entendi, meu amigo me acha desses de um afeto um pouco exagerado com porteiros, carteiros, barbeiros, garçonetes, garçons, vendedoras de loja, moças do provador, donos de padaria, padeiros, professores de dança, bibliotecários, músicos de rua, donos de banca de jornal, faxineiros, enfermeiros.

Receio que sim (mesmo não sabendo onde o amigo ou amiga mora, mesmo não tendo ido ao batizado do filho ou sido padrinho de casamento) acredito que as ruas têm uma alma, tem uma multidão de vozes, que ouço, pego papel e caneta e escrevo.

 

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Respostas de 2

  1. Mais uma vez, eu lhe dou os parabéns pela excelente crônica! Abraço, Luiz Otávio Oliani.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser