Conversas de lotação
Leandro Alves
O carnaval passou, mas, para quem pensa que a alegria da folia se foi de vez, levou tinta.
Da folia de fevereiro para cá, começo a olhar a cidade com outros olhos. Como ando de ônibus, às vezes simplesmente desligo o celular, fecho as páginas do meu livro, presto atenção para olhar a vida e os outros ao meu redor.
Mire e veja: muita gente voltou a conversar no ônibus como antes. Os passageiros entram, deixam o celular de lado, olham um pro outro e simplesmente conversam. Gente que não se conhece, inclusive.
Em fevereiro deste ano, os foliões deitaram e rolaram. Passavam glitem, pintavam os olhos, homens de saia, mulheres de policiais ou diabinhas, homem vestido de freira. Antigamente havia dois grupos no centro de Belo Horizonte: os rabugentos que iam trabalhar reclamando de altereções no trânsito e os foiliões com aquela alegria assanhada no rosto.
Este ano, não. Professores, ambulantes, açougueiros, vendedores de bala. Todos tinham a alegria como efeito colateral dos bloquinhos.
“Meu carnaval foi pulando dentro do açougue”, disse um homem ali na rua dos Tupis quando eu voltava para casa de tardinha, lá pelas seis da tarde, na segunda-feira de carnaval.
Em março ninguém mais fala da folia, mas ela deixou marcas.
Porteiros conversam animadamente antes de trabalhar, colegas de escola, vizinhas de porta. Se a gente pensar que todo mundo estava com o celular na mão há bem pouco tempo atrás, parece que muita gente andou enjoando do aparelhinho.
“Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão”, dizia os versos de um dos poemas que mais gosto do Ferreira Gullar. Também digo que uma parte de mim é um leitor em busca de sossego: outra parte é um cronista caçador de histórias.
Há duas semanas, precisei ir no centro cuidar da vida e, passar o tempo, comecei a ler “The Great Gatsby”, do F Scott Fitzgeral durante a viagem de ônibus.
Uma parte de mim entretida com os personagens ricos do escritor norte-americano: outra parte ouvindo as conversas de uma massa indo trabalhar.
Na ida para o centro comecei a ler o livro, abri as páginas, e comecei a passear pelo salão da mansão do Gatsby onde tocava jazz, circulavam mulheres caras e muito bonitas, champangne e Limousines. Tive que fechar o livro porque a conversa dentro do ônibus era demais.
O que será que ia acontecer com o triângulo formando por Tom Buchanan, Jay Gatsby e Daise? Tentei descobrir na volta para a casa, mas no lotação estava impossível de novo.
De repente, entrou dentro do coletivo uma moça vestida com a camisa do Grêmio. Em Belo Horizonte? Fechei a romance, olhei a moça entrar, sentar num banco em frente ao meu e seguir viagem.
Um senhor puxou assunto com a moça:
— Você é gaúcha de verdade, é?
— Não, meu pai que é gaúcho.
— Quero ver é se você sabe cantar o hino do Grêmio mesmo.
— Claro que eu sei
— Então canta aí.
— ” Até a pé nos iremos / para o que der e vier / Mas o certo é que nós estaremos / com o Grêmio estiver”.
— Gostou?
— Gostei.
— Fala para o seu pai que hoje você conheceu um Goiano.
Desisti do romance por um tempo. Minha história é bem mais bonita que a do The Great Gatsby. Um cronista sempre se alimenta das conversas da sua gente.
Respostas de 2
Bela crônica: amigo!!!!!
Gostei do seu olhar clínico sobre Belo Horizonte dos foliões e das conversas no ônibus!!!
Abraços e aguardamos novas crônicas!!
Deus te abençoe sempre!!!
Obrigado, amigo.