O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Eu ainda não sabia que a vida era tão boa

 

Leandro Alves

Leio uma crônica do Rubem Braga intitulada “As coisas boas da vida”, que também é o título de uma antologia de crônicas dele, sinto aquela vontade de entrar no meio da conversa. Durante a leitura, vou pensando no que acho que faz a vida valer a pena.  São dez coisas, certo? Pois não:

 

Conversar com velhos. No ônibus, na padaria, numa livraria. Achar graça junto com eles em coisas simples, conversar sobre coisas amenas: um ipê florido que apareceu na Savassi, rosa, inaugurando a época da floração em Belo Horizonte. Talvez um “Bom dia”, o sorriso de uma criança, a som do saxofone de um músico de rua na Praça da Liberdade. Ver como os velhos sorriem de uma maneira calma, como eles caminham sem pressa pela rua, como eles saboreiam devagar o sabor de uma maçã.

 

Quando um desconhecido nos faz sorrir na rua. Ele e eu somos desconhecidos, mas de repente estamos os dois ali na rua rindo juntos por uma razão qualquer. Certa vez, fiquei amigo de um cobrador de ônibus que fazia o trajeto do bairro ao centro. Era uma festa nosso encontro, sentar no primeiro banco, ir conversando com ele. Num certo dia, nós dois estávamos ali cantando um bolero muito antigo e os outros passageiros riam. Os passageiros em pé, os sentados, eu, o cobrador de ônibus e todos rindo juntos até o ponto final.

 

Quando eu passo no lotação, vejo que alguém lê um livro que eu queria muito ler ou que li com muito prazer um dia. Eu olho para o título, o outro exibe o livro para eu ver melhor, eu esboço um sorriso, o outro retribui e é como uma frase que li não me lembro onde: “Parece que o livro é que está me recomendando a pessoa.”

 

Ler pela primeira vez o poema “ A virgem ao meio dia “, do poeta francês Paul Claudel. Sentir o poema ocupar minha cabeça o dia inteiro, sentir aquela plenitude de beleza que os versos trazem, dormir e acordar pensando neles.

 

Comer uma comida típica numa outra cidade, algum sabor diferente, que não tem na cidade onde eu moro e sentir vontade de viajar para sentir o mesmo sabor.

 

 

Uma roda de violão com amigos. Numa praça, na porta do cinema, num bar numa manhã de domingo.

 

Pensar em problemas do passado que ficaram no passado, que um dia nos tiraram o sono, nos roubaram a paz e que hoje simplesmente não mais existem.

 

Ver que o tempo ameaçou chuva, quase interrompeu os planos para o domingo, perceber que o sol se abriu de novo e que passeio desejado vai acontecer.

 

Abrir um livro num dia ruim, folhear uma determinada página, sentir um certo espanto e de repente me ver às gargalhadas. Ver a beleza das coisas simples, da gente simples, da vida cotidiana.

Foto que ilustra a crônica:

O almoço dos barqueiros, 1880-1881 – Pierre Auguste Renoir

 

 

 

 

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser