Gatilhos
Leandro Alves
Um amigo livreiro me conta de queixo caído a pergunta de um cliente: “Este livro tem gatilhos?”
O que o possível leitor queria: procurar se na contracapa ou orelha do livro ele encontraria frases que o incentivariam a fazer loucuras por aí, viver de um jeito estabanado, cometer crimes, como se as pessoas lessem para viver o que leram na realidade. Em outras palavras: livros foram feitos para ensinar os leitores a serem bons. E, para tanto, o autor só deveria criar personagens bons ou altruístas.
Meu amigo vendedor da livraria comenta: “Um leitor de hoje não dá conta de um Dostoièvski.” Ao que acrescento: “Dostièvski só? Não dá conta de nada!” “Crime e castigo”, por exemplo, seria incentivo à violência; “Lolita”, de Nabokov, idem; “O apanhador no campo de centeio”, do Salinger, um forte atentado contra a família.
É muito comum que eu ouça por aí frases como “Ah, este livro é politicamente incorreto!”, “Este livro é muito machista!”, “Este livro me deixou chocado!”
Esta gente lê muito e eu me pergunto por que. Que tal se encontrasse algo melhor para fazer? Jogar bola, ir ao shopping, praticar natação, turismo gastronômico, yoga. Qualquer coisa.
Meu amigo protesta: “Quem tem gatilhos é revolver”.
Da minha parte, me lembro da infância quando a gente pegava frutas do pé. Amoras, goiaba, manga de várias espécies — coisa mais comum era pegar uma manga e ver que ela estava bichada. A gente tentava a sorte a achava outra.
Viver, de certa forma, se parece com escolher uma manga no pé para chupar — algumas pessoas parecem belas por fora, mas muitas têm seu lado podre. Livros mostram o belo, mas também o lado feio da vida. Quando um leitor pergunta se um livro tem gatilhos, é porque ele não quer ver o lado feio da vida. Sim, quem tem gatilhos é revolver. A literatura nos permite ver o belo e o feio da vida.
Uma resposta
Sua crônica hoje, nos faz refletir!!!!
A literatura serve tbm p nos inspirar e que seja p o bem!
Ótima crônica amigo!!
Parabéns!