O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Leitora conta uma história de amor

 

 

Leitora conta uma história de amor

Leandro Alves

Algumas crônicas me chegam quase que por acidente. Outro dia estava na biblioteca centro cultural, naquele bate papo habitual com os funcionários. A gente ria muito, mal via a hora passar e, quando a gente ri, como bem lembra a Martha Medeiros, não se dá conta das bobagens que fala.

Quando começo a rir descontroladamente, das bobagens que eu mais falo são promessas — que sei que jamais vou cumprir. Prometer, fazer isso tendo várias pessoas como testemunhas, para depois simplesmente não cumprir.

A promessa foi a seguinte: sentar no parque com uma placa escrito “Ouço histórias de amor”. O plano seria eu sair com uma placa, parar em algum lugar público — o Praque Municipal, a Praça 7, a Praça da Estação, aqui em Belo Horizonte — , colocar duas cadeiras, uma garrafa de cachaça e ouvir quem quisesse falar comigo.

Foi aí que a faxineira que estava sentada numa das mesas da biblioteca não resistiu: “Eu tenho uma história de amor”. Paramos todos para ouvir. Cá para nós, convenhamos, a história é tão boa que soube logo que me renderia uma crônica.

Então, foi assim. A minha leitora estava grávida e abandonada pelo namorado. Quase não comia, chorava o dia inteiro, música sertaneja na maior altura. Só que tristeza não paga contas, ela entendeu finalmente.

Começou a fazer quentinhas para a vender. A casa dela era perto da SLU, os lixeiros, que passavam o dia inteiro suando atrás daquele caminhão, eram os maios fregueses dela.

A barriga já estava enorme. Sete meses de gravidez.

Cozinhar, embalar as quentinhas, sair para vender na porta da SLU. Tudo com aquele barrigão para baixo e para cima.

Até que um dia, na porta da casada dela, passou um soldador que trabalhava na SLU perto da casa dela. “Que grávida mais linda!” Falou assim, na lata, com aquele sorriso no rosto.

A vontade dela na hora foi esbofetear o rapaz. Ela nunca tinha escutado homem falar que achava mulher grávida bonita. A barriga aumenta, os peitos crescem, o rosto fica mais cheio. O pai da primeira filha dela, tinha escolhido ir embora; o soldador, não resistiu.

Ela foi convidada para a festa da SLU, lá o moço seguia com as piadinhas. Passava a mão na barriga, perguntava se se era menino ou menina, sempre insistindo que ela era a “grávida mais linda que ele já tinha visto”.

Ele era casado e tinha filhos. Ele, o soldador.

De repente, começou a comprar comida direto na casa dela. Fora que ela vendia outras coisas também como ovos de páscoa, broa de fubá, bolos de pote. Depois de uma dessa, talvez um dia eu vá para a Praça 7 com uma placa ouvir outras histórias de amor.

Ele levava tickets de alimentação para a casa dela, ajudava a levar a menina recém nascida para o hospital, entregar — tudo sem a mulher dele saber, claro.

Ele se separou. Ela já estava separada. Juntaram as escovas de, dente, os pares de havaiana, o par de chinelo velho finalmente encontrou seus pés descalços. Juntos há quase trinta anos com uma filha, fora um menino e  uma menina do primeiro casamento. Todos grandes. Todos criados. Às vezes, a vida nos premia por um gesto de ousadia que fazemos.

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Respostas de 2

  1. Que história boa!!!! Ainda bem que o final foi feliz!!!!
    Ótima crônica amigo!!!
    Parabéns!!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser