O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Livro tem graça?

 

Livro tem graça?

Leandro Alves

 

“Que graça tem um livro?” foi a pergunta que um menino faz para o meu amigo Paulo Fernandes numa quarta-feira, pela manhã, na biblioteca pública, numa palestra sobre literatura, com um grupo de alunos de uma escola pública como convidados.

 

O Paulo aproveitou a deixa para responder que literatura nos leva a sentir empatia com os outros. Faz com que alguém de uma classe privilegiada, por exemplo, alguém que nunca esteve numa periferia, possa conhecer uma realidade mais sofrida de gente simples, que ele ou ela não vê no seu cotidiano.   E foi citando verdadeiros ícones da literatura como Ferréz, Victor Hugo, Emile Bronté, Conceição Evaristo, José Faleiro, Lilia Guerra.

 

Aí me deu uma vontade de me meter na conversa.

Pense no exemplo do escritor Marcelino Freire, numa entrevista: precisou ler “O bicho”, poema de Manoel Bandeira, para enxergar o homem que catava comida no lixo, perto do sacolão, no meio da rua.

Pense no exemplo do Próprio Paulo Fernandes, livreiro escritor e contador de histórias:  conheceu Hermann Hesse, Carlos Castaneda, Khalil Gibran na adolescência, o que o levou a evitar caminhos equivocados.

Pense no escritor, músico e poeta Ferrez, autor do livro “Capão Pecado”:  leu Hermann Hesse pela primeira vez na favela do Capão Redondo, em São Paulo, enfrentou um cotidiano de drogas, violência, tornou-se escritor mundialmente conhecido e respeitado.

Pense no meu próprio exemplo: um dia eu andava triste pelas ruas do Barro Preto, achava que o mundo era injusto apenas comigo, justo com todos ao meu redor, quando comecei a recitar em voz alta o “Poema em linha reta”, de Fernando Pessoa.

Livro tem graça e muita. Se você foi da minha geração e apanhou dos seus pais, talvez “Infância”, de Graciliano Ramos, seja um ótimo livro para você, se ainda é adolescente e ainda não escolheu o que quer fazer da vida, talvez “Knulp”, do Herman Hesse, seja uma boa pedida, se você é uma mulher negra e se sente pisoteada por esta sociedade, talvez “O céu para os bastardos”, de Lília Guerra, seja um livro interessante para te fazer companhia.

A rigor, um livro só tem graça quando a você se vê nele. Quando você descobre que, em épocas diferentes da sua, em países onde você nunca foi, tem alguém pensando e sentindo as mesmas coisas que você sente.

E não é que gostei do papo?

Pense comigo: um livro oferece histórias muito mais variadas e, às vezes, até mais interessantes que seriados de televisão, filmes, novelas.

Pense comigo: existe um livro feito exatamente para você, com seu jeito, seu gosto, seu estilo.

Pense comigo: livro não gasta energia elétrica, não descarrega, não acaba a bateria e pode ser lido no ônibus, na cadeira do hospital, na sala de espera do dentista ou no ponto de ônibus.

Não, você não precisa trocar um futebol com os amigos e uma ida ao cinema para ficar trancado no quarto lendo. Pode ler um pouco antes de ir para a cama, mais um pouco antes do médico te chamar, ainda mais um pouco no trajeto do metrô até sua casa.  Livro não impede que você viva a vida, ele te inspira a aproveitá-la ainda mais.

 

Aproveito para sugerir o livro “Meu baú de histórias”, do Paulo Fernandes, da Editora Cora. Para meninos de todas as idades.

 

 

 

 

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Respostas de 5

  1. Texto primoroso. Muito bem escrito!
    É uma crônica de altíssimo nível.
    Parabéns ao autor Leandro Alves!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser