O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Livros que eu gostaria de ter escrito

 

Livros que eu gostaria de ter escrito

Leandro Alves

Já faz algum tempo, o jornal Estado de Minas tinha uma seleção invejável de cronistas: Alcione Araújo, Frei Beto, Fernando Brant, Marina Colasanti, Fernanda Takai, Patrícia Espírito Santo e Affonso Romano de Sant’anna. De tanto ler, fui atrás de crônicas em livros. Depois, passei a escrever. Abaixo, algumas que eu adoraria ter escrito.

“O padeiro”, de Rubem Braga

Um padeiro vai entregar pães na casa de uma madame, entra sorrateiramente na sala, vai deixando os pães e diz para a casa: ” — Não é ninguém, é o padeiro!”

O padeiro andava como quem tivesse um espinho no pé, mas tivesse se acostumado com ele. Repetia a frase de uma forma distraída, como se já tivesse se acostumado a dizer que não era ninguém; frase profundamente dolorida para quem ouvia de fora.

“Poema desentranhado”, de Manuel Bandeira

Manuel Bandeira foi famoso por sua poesia, mas suas crônicas também são ótimas. Eu gostaria de ter escrito cada uma delas. Um das melhores reuniões de crônicas que tenho em casa é o livro ” Os reis vagabundos e mais 50 crônicas”, de Manuel Bandeira.

A crônica que mais gosto e que citei acima fala de um poema que o poeta tirou da prosa de “Augusto Frederico Schmidt”, quando este falava de outro poeta.

“O sentido da primavera”, de Vinícius de Moraes

Outra que eu adoraria ter escrito. Os poetas muitas vezes saem do gênero poema para escreverem contos, romances, crônicas, novelas; ainda sim, parece que a poesia não sai deles. O cheiro do risto da amada, da cachaça, de filha recém nascida — tudo entra nos tais “cheiros da primavera”. Adoraria ter escrito qualquer uma das crônicas do ótimo “Para uma menina com uma flor”.

“O que se diz o que se entende”, da Cecília Meireles. Livro tem o mesmo título. A gente diz algo, o outro entorta o que a gente disse, entende só aquilo que ele acha que entendeu e a confusão está armada. Internet? Não parece tão atual? Cecília Meireles tinha a manha.

“Minhas amigas: retrados afetivos”, de Joaquim Ferreira dos Santos.

Pessoalmente, eu gostaria de ter escrito o livro inteiro. Doei? Emprestei? Perdi? Cadê o livro? Não sei se vocês repararam, mas os melhores livros da gente a gente parece que esconde da gente mesmo.

São cem amigas, reais ou inventadas, engraladíssimas, como aquela que tem medo de usar a calcinha errada no encontro certo ou a outra que, linda e cortejada até pelo presidente da república, na verdade vive só.

“Os melhores versos da música popular brasileira”, de Paulo Mendes Campos.

Quando um cronista escreve algo citando cultura a doidado, corre o risco de ser chato. O paulo, não. Cita como se estivesse tomando cerveja com a gente num bar, comendo aquele tira-gosto, rindo. Está no livro “Meu Brasil brasileiro”.

“O cheirinho do amor”, de Reinaldo Moraes

No livro de mesmo nome o Reinaldo Moraes mistura sexo com feminismo, corrida de automóveis, com humor, com tudo. Na crônica “O cheirinho do amor” o autor compra o bacalhau no centro de São Paulo,

“Dropz: crônicas pop -proletárias e tostões de amor”, do Z Carota.

Livro que não dou, não vendo, não empresto. Tem uma crônica intilulada “Um dia bonito”. O cronista ouve a canção “Birth of the blues”, do Frank Sinatra, com o Louis Armstrong no trompete, a moça de limpeza pede para ele deixar a porta aberta para que ela ouça a música, ele grava um C’d pra ela e a crônica é uma boniteza que só vendo. Um encontro de uma mulher simples com uma música refinada.

“A última crônica”, de Fernando Sabino

Uma famíla negra e pobre pede um pedaço de bolo de fubá num boteco, coloca uma vela e canta “Parabéns para você”.

Esá no livro “Elenco de cronistas modernos”.

“O suor e a lágrima”, de Carlos Heitor Cony, livro com o mesmo nome; “Alegria”, de José Faleiro, livro “Mas em que mundo tu vive?”; “Educai vossos pais” e “Meu engraxate”, do Mário de Andrade, do livro “O melhor de Mário de Andrade”, de contos e crônicas e qualquer uma das crônicas escritas por Carlos Herculano Lopes.

Quando li as crônicas acima pela primeira vez, senti uma vontade tremenda de ser escritor. Pessoalmente, considero a crônica tão importante como qualquer outro gênero. Poesia, conto, romance, memória, ensaio, biografia. Acredito que uma boa crônica é uma mistura de todos esses gêneros. Só que num papo informal e divertido com  os leitores.

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Respostas de 3

  1. Verdade amigo!!!!!
    Suas crônicas nos fazem passear pelos atores que estão no seu imaginário no seu coração e porque não dizer no seu estilo!!
    Abraços com afeto do amigo,
    Genilson.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser