O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Meus poemas favoritos

 

 

 

 

Meus poemas favoritos

Leandro Alves

Quando penso em falar com alguém sobre meus poetas preferidos, logo me vem à cabeça estes versos do poeta gaúcho Mário Quintana: ” Se eu fosse padre, eu, nos meus sermões, não falaria em Deus nem no pecado / muito menos no anjo rebelado/ e o enconato de suas seduções/ não citaria santos/ nem profetas: nada das suas promessas/ ou das suas terríveis maldições… / se eu fosse padre eu citaria os poetas.”

Por uma espécie de bruxaria, feitiço, não sei penso que um bom poeta sabe exatamente o que o leitor sente sem que eu precise dizer nada. É como se houvesse possibilidade de tirar um raio x da alma, ver com uma pessoa é por dentro, descrever seus sentimentos, muitos deles incontáveis — tudo isso sem que ela precisasse falar nada.

“O desespero da piedade”, de Vinícius de Moraes: ” Tende piedade, Senhor, das santas mulheres / dos velhos, dos homens humilhados – sede, enfim, Piedoso com todos, que tudo merece piedade / E se piedade vos sobrar, senhor, tende piedade de mim.”

Vinícius de Moraes era considerado por muitos o mais informal dos diplomadas, o mais boêmio, mais brincalhão. E, não era de se estranhar, que ele encontrasse mesmo o tom brincalhão para falar com Deus. O poema bateu forte em mim. Deus gosta ou não gosta de humor? É mesmo verdade que um filho de Deus só pode rezar ajoelhado? Alguém já imaginou Deus dando uma gargalhada daquelas? Eu ria durante a maior parte da declamação do poema, mas simplesmente não seguro das lágrimas no verso final.

“The act”, de William Carlos Williams. Tão curto que dá para digitar inteiro: ” There where roses, in the rain./ Don’t cut them, I pleaded./ They won’t last, she said./ But they’re so beautiful/ Where they are./ Agh, we were all beautiful once, she said, and cut them/ and gave them to me/ in my hand.”

A primeira vez que ouvi falar do médico pediatra e poeta norte-americano William Carlos Williams foi numa crônica do saudoso Moacyr Scliar. Depois, o Jim Jarmusch incluiu no filme “Paterson”, mesmo título livro do poeta, filme que assisti há muitos anos sobre um motorista de ônibus que escrevia poemas entre uma viagem e outra. Quem declamou “The act” quando conheci foi um cantor negro de Hip Hop, antes de entrar no palco, numa explosão de beleza. Infelizmente, o vídeo sumiu do YouTube.

“Love after love”, do poeta santa-lucense Derik Walcott. É possível amar um poeta por causa de um único poema. “Love after love’, que me pegou na veia, que fica ecoando na minha cabeça o dia inteiro, chega a me lembrar muito a canção “Caçador de mim”, de Milton Narcimento, composta por Sergio Magrão e Luiz Carlos Sá. Redentora, profunda, bela.

Cecília Meireles: ” Eu não dei por esta mudança,/ tão simples,/ tão certa,/ tão fácil: — em que espelho ficou perdida a minha face?”

“A virgem ao meio dia”, de Paul Claudel. A capacidade do ser humano de se maravilhar com a vida não pelo que vai conquistar dela, mas pelo que ela é em si. Ouro em pó estes versos: “Vejo a igreja aberta e entro./ Mas não não é para rezar, ó mãe, que estou aqui dentro./ Não tenho nada para pedir, / nem para te dar./ Venho, Mãe, para te olhar…”

E ninguém traduz mais nada dele? Ninguém edita? Os poucos livros custando uma fortuna?

Se você está triste, deve ter passado pela sensação de que tudo só acontece com você. Todo mundo amando, viajando, ganhando dinheiro, gozando a vida. Vamos agora de Fernando Pessoa: “Nunca conheci quem tivesse Levado porrada/ Todos os que eu conheço têm sido campeões em tudo/ E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil/ Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita/ Indesculpavelmente sujo.”

Ferreira Gullar, Paul Claudel, Cecília Meireles, Derek Walcott, William Carlos Williams, Pablo Neruda, Cora Coralina, Mário Quintana, Paulo Mendes Campos, Amanda Vital. Tantos que mal cabem todos numa crônica.

 

Crédito da imagem: Pinterest

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Respostas de 4

  1. Crônica incrível!
    A poesia é a vida pulsando multiforme por aí!!!
    Parabéns amigo!!!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser