O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Meus votos de Natal

 

 

 

Meus votos de Natal

Leandro Alves

Para Tom Moscardini

Meu amigo Tom Moscardini lembra algo bem oportuno: Coitado do Roberto, ele canta um tipo de amor que não existe mais. Hoje as pessoas preferem mesmo as canções sobre ódio.

De fato, hoje o ódio virou moda. Canções sobre ódio, músicas de protesto, filmes cheios de cólera, poemas repletos de desesperança, novelas de televisão e até mesmo o teatro.

Quem não odeia é alienado, não sabe de nada, não dá a mínima para o que está acontecendo ao seu redor, não merece ser ouvido, levado em conta.

Se alguém quer ser aceito, arrume algo ou alguém a quem possa odiar. Falar mal, difamar, espalhar aos quatro ventos o quanto o outro não prestar.

Estar por dentro é dizer aos quatro cantos que o outro precisa ser demitido, xingado, cancelado, banido da face da terra.

As canções não podem mais falar da mulher amada, da terra, da praia, do flerte, de pais e filhos. Grande parte das pessoas hoje quer não o amor coletivo, mas o ódio coletivo.

A beleza, o amor, o flerte, os banhos de mar, o chope para distrair, a dança de salão, o beijo na boca, a amizade. Tudo perdeu lugar para o ódio. Um ódio escancarado, público, como uma onda gigante cobrindo tudo e todos.

Por isto meu amigo observa e muito bem que destino estão tomando as canções do rei. Não são as canções de Roberto Carlos que estão perdendo espaço, mas o amor propriamente dito. Suas canções são o oposto do ódio, da injustiça, do falatório, dos protestos a troco de nada e de coisa alguma.

Pois que a gente possa virar a mesa. Chutar o balde mesmo. Fazer com que o amor volta a ser importante mesmo que seja apenas para nossa família, nossos amigos, vizinhos, conhecidos. Nem que seja apenas no quarteirão da nossa casa, mas que o mundo saiba que mesmo ali a beleza persiste e o ódio não tem vez.

Que neste Natal cada um de nós possa se desconectar um pouco desse falatório para dar bom dia ao porteiro, comer um peru de Natal com a mãe, telefonar por amigo, beijar na boca, tomar chope no bar da esquina, dançar ou simplesmente cantar: “Tô chutando lata / vem ficar comigo / tô chutando lata/ tô à toa.” Afinal, o direito à alegria também pode ser uma forma de protesto.

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Respostas de 4

  1. Bela crônica! Fico lisonjeado de você tê-la dedicado a mim. E mais orgulhoso ainda em saber que uma observação minha sobre o comportamento humano tenha lhe estimulado a criar esta crônica tão oportuna e que nos faz refletir sobre os rumos que nossos sentimentos mais nobres estão tomando com essa canalização do ódio na vida das pessoas. Pessoas antes até pacatas estão se tornando pessoas extremamente tóxicas e negativas. Hoje são poucos os sensíveis que se emocionam com essas pequenas coisas da vida. Obrigado por nos brinda com essas palavras e tenho um ótimo Natal que no ano que vem a gente esteja aqui novamente colocando em prática os nossos mais puros sentimentos. Um abraço.

    1. Obrigado, Tom. E que o amor, a beleza, o riso, a celebração da vida estejam de volta. Afinal, como dizia Gonzaguinha: “É bonita, é bonita e é bonita.”

  2. Feliz Natal Leandro!!!!!
    Que haja amor nos corações e que o ódio bata em retirada!!!!!
    Paz e somente paz!!!!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser