O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Morar num abraço

 

Morar num abraço

Leandro Alves

De vez em quando me dá vontade de pegar uma câmera e sair filmando as pessoas por aí, e ao mesmo tempo gravar o que elas fazem e o que elas falam: certas conversas de pais e filhos na porta da escola, de duas amigas atravessando a rua, de dois porteiros de prédio conversando, duas atendentes de cafés quando atendem os clientes, policiais, motoristas de ônibus.  E, dentre os pequenos flashes do cotidiano que eu mais gostaria de ter filmado, o mais bonito de todos, foi o momento em que o meu amigo livreiro Paulo Fernandes, ao pegar uma menininha no colo dentro da livraria, perguntou assim pra ela: “Posso morar dentro deste seu abraço?”

O abraço tem história: a menininha, que tem mais ou menos uns cinco anos, dessas que fazem qualquer um  querer ser pai, tio ou avô, é filha dos donos da cafeteria do cinema e entrou na livraria por um acaso. Aí o Paulo pergunta: “Você quer ver um livro?” Não, não queria. “E você quer me dar um abraço?” Também não. “Eu espero você querer me dar um abraço, tá bom?”

E então, chegou um dia em que a garotinha entrou na livraria e eles se abraçaram. De lá pra cá, a frase que acompanha a cena é sempre a mesma: “Posso morar neste abraço?”

E olha que a garotinha é ciumenta, viu.  No começo desta amizade, quando ainda estavam se conhecendo, se tivesse algum amigo ou cliente conversando com o Paulo durante a compra de um livro, a mocinha simplesmente não entrava. Hoje, não. Entra e abraça somente ao Paulo, seu amigo pessoal.

Acho que o desejo de todo mundo é um pouco esse: morar dentro de um abraço.

O desejo de um pai, de um filho, de um velho solitário, de uma mulher que não casou, de uma criança, de um vendedor num dia ruim, de um professor cansando, de muita gente que a gente não conhece e ainda pelas ruas.

Um abraço te leva a sentir o outro, fala mais do que qualquer palavra, torna as palavras supérfluas, desnecessárias, substituídas pelo silêncio.

Neste momento, cabe um orgulho de ser brasileiro: um povo que se abraça, toca no ombro dos outros para pedir informação na rua, beija no rosto quando é apresentado ao amigo do amigo, conversa rindo e dia para qualquer um o seu “Bom dia, amigo.”

Abraçar alguém sempre é uma cena muito bonita quer seja entre gente que se despede no aeroporto ou na rodoviária, um homem e uma mulher que se encontram por acaso na rua, dois colegas de trabalho, pai e filho e tudo por uma única razão — aquele momento que você deu o abraço é só seu, ninguém te toma o abraço que você ganhou de quem você ama. Neste sentido, é perfeitamente possível morar dentro de um abraço.

 

Clique aqui para ouvir a canção “Dentro de um abraço”, do Jota Quest em parceria com nossa cronista Martha Medeiros.

 

Clique aqui

 

 

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Respostas de 8

  1. A primeira coisa que reparei foi no post”free hugs”. Num mundo em que tudo vira negócio, é maravilhoso que uma das coisas mais gostosas neste mundo seja ainda grátis. O texto é incrível e quero desde agradecer o Leandro pela partilha. O texto me dá esperanças na humanidade e é perceptível que nem tudo está perdido.

    Um grande abraço

  2. Aconchegante e confortável sentir um abraço assim gostoso . Muito amigo e sincero uma amizade assim conquistado com carinho . Belíssima crônica caro escritor . Parabéns Poeta Leandro Alves .

    1. Com certeza, Eliany! Acredito que um abraço, a amizade, o afeto são de graça e precisam ser valorizados.

  3. Leandro Alves, seu texto é muito bem escrito! Crônica deliciosa de ser lida! Parabéns!

  4. Como sempre, um texto fluido e delicioso de ler.
    Todo mundo gostaria de morar num abraço deste que parecem que não vão mais acabar!!!
    Tive a honra de ser abraçado assim por uma amiga, ou seria, um grande amor!!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser