O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Morrer aos poucos

Cena do filme “Papillon”, de 1973, com Steve McQueen e Dustin Hoffman, dirigido por Michael Noer.

 

Morrer aos poucos

( Replica ao poema de Martha Medeiros)

Leandro Alves

Morre devagar quem deixa de fazer o que gosta por falta de companhia, quem deixa de brincar o Carnaval porque nenhum amigo gosta de Carnaval, quem deixa de ir ver os fogos porque ninguém mais quis ir no Reveillon, quem deixa de ir ver os fogos da passagem de ano onde quer que seja.

Morre devagar quem não lê Martha Medeiros, quem não gosta da própria companhia, quem não vê filmes, quem não tira um tempo quieto para ler um livro, tomar café, escrever um diário.

Morre devagar quem depende da companhia dos outros para fazer caminhada, para frequentar a academia, para sair pra paquerar, ir num sarau de poemas, quem é refém do desânimo alheio morre bem lentamente.

Morre bem devagar quem não sabe que por aí existe muita gente sozinha procurando um sorriso, um aperto de mão, ser ouvida, vista, talvez apenas conversar um pouco. Se alguém sozinho encontra alguém sozinho, a solidão acaba.

Morre bem devagar quem não canta com os Originais do Samba: “Se você saiu por aí e não conseguiu encontrar alguém / deixe que alguém saia por aí e consiga encontrar você.”

Morre bem devagar quem fala para uma criança que Papai Noel não existe, quem não deixa a chuva lhe ensopar da cabeça aos pés, quem não entra no mar porque disseram que é perigoso, quem tem mais medo do inferno do que deixar de viver, quem não vai porque o outro não quer ir, quem nunca decorou um poema.

Já dizia o escritor Oscar Wilde: “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.”

Ps: Depois que assisti este filme, fiquei louco para tatuar uma borboleta colorida e imensa no meu peito  imitando o  Henri Papillon.  O Papillon era um cara que foi preso injustamente numa prisão de segurança máxima, arriscou a própria vida pela liberdade dele, para se libertar da prisão que os outros o colocaram. A borboleta no peito dele significa coragem.  Se eu tatuar um dia, vou estar disposto a me libertar das prisões que os outros me colocaram.  Que a vida me colocou.

 

Feliz 2024, meus amigos!  Volto depois do carnaval. Pausa para relaxar, recarregar   a bateria, viver  a vida real e depois voltar com as crônicas.  Orrevuá.

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Respostas de 2

  1. Ótimo 2024 p VC amigo!!!
    Pleno de realizações!!! E paz!!!!
    Excelente crônica amigo!!!!!
    Abraços.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser