O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Notívagos

 

 

 

 

Notívagos

Leandro Alves

 

 

Cinco horas da manhã, voltando da Virada Cultural, esperando para o dia nascer feliz. Batendo perna com a Nic, como sempre. A gente passou a madrugada inteira vagando de um palco para o outro na Rua Guaicurus, Praça da Estação, Praça da Liberdade, Praça 7, Rua Rio de Janeiro, Parque Municipal. Uma menina chora sentada na porta de uma loja fechada. A namorada dela atravessa a rua indiferente. A Nic para imediatamente:

— Vai atrás dela.

— Ela é assim mesmo, moça. Briga, não quer conversar, sai andando do nada.

— Uai, mas você não pode ficar parada aí não.

A Nic olha para a namorada raivosa que atravessava a rua sem olhar para trás:

— Faz isso não, menina. Vai deixar ela aqui assim?

— Quero saber de nada não, moça. Vou embora mesmo, quero saber dela mais não, ninguém vai me segurar e ainda tem as “amizade” hoje ainda antes de ir embora.

— Que isso, gente?

Ninguém gritava com a Nic, nenhuma das meninas falou nada, mandou cuidar da vida dela, nada do tipo. Escutaram tudo numa boa. Mas não conseguiu acalmar a outra não, foi embora deixando a namorada chorando na porta na loja.

— Ah, mas é assim mesmo. Espera acalmar, viu? Depois conversa com ela, explica tudo direitinho, vai ficar tudo bem.

— Será?

— Tenho certeza, mas levanta daí e tenta ficar bem.

— Tem cinco anos isso já, moça.

— Pois é, mas namoro não é fácil não.

— Levanta daí, vai. Faz assim: vai para casa e descansa. Ela estava nervosa, mas já já isso passa.

— Obrigado, moça.

— De nada.

Naquele dia percebi que na noite, a gente encontra de tudo e pode ser gente bêbada, briguenta, alegre, música boa, flerte, sexo. Só que ao olhar para a Nic, a menina encontrou o olhar bondoso de uma mãe. Mesmo que não fosse mãe de verdade, não importa. Pelo menos uma amiga disposta a acolher e aconselhar.

 

Crédito da imagem: Pinterest

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser