O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

O Café Nice é um pedaço do céu

 

 

O Café Nice é um pedaço do céu
Leandro Alves

O Café Nice é um lugar tão delicioso de se frequentar que, mesmo tendo se passado tantos anos e com uma pandemia no meio de tudo, está em funcionamento, desde 1939. Ou seja, lá se vão oitenta e cinco anos.

É um lugar onde se descansa das virtualidades da vida.Caindo na vida real. Sim, claro, um estabelecimento onde ainda se pode ver colegas de trabalho batendo papo no balcão, freguesia lanchando em pé, as paredes e placa sem reforma alguma: o Café Nice ainda é um pedaço do céu.

Um ovo quente com pimenta do reino, um cafezinho fumegante com um pedaço de queijo, uma empada quentinha, um pão quente na chapa no capricho, cachorro quente — tudo a gente precisa quando está de tardinha ali perto da Praça 7, bem no centro de Belo Horizonte.

Pois na sexta-feira o frio estava congelando os meus ossos, e estando um pouco longe do Caldo do Nonô, sem ânimo de bater canela naquela friagem toda, depois de uma empada e café com leite, que devem ter deixado o leitor com a boca salivando de tanta vontade, decidi pedir um ovo quente com pimenta do reino mesmo.

— Está pimenta arde muito?
A garçonete já trazia o ovo num copo e o vidro de pimenta.
— Ah, sem pimenta não tem graça.
Pego a pimenta e coloco aos bocadinhos.
— Coloca pimenta direito. Uai, mas você é homem ou um saco de batatas?
Ninguém ali conseguia parar de rir. Meu amigo músico e eu muito menos.
Coloquei um mais pimenta do reino, engoli tudo de uma de uma vez, feito cachaça, como se eu fosse o próprio Quincas Berro d’Água.

— É assim não, moço. Tem que ser elegante.

Pegou o meu copo, já com apenas um restinho de ovo quente, colocou pimenta do reino como se o mundo estivesse acabando, encostou-se na parede por dentro do balcão, empinou o nariz e fez de conta que estava tomando um whisky escocês.

— É assim, ó. Viu?

— Vi

Comentei com o amigo que estava comigo que jamais, pode passar o tempo que for, conseguirei entrar ali sem pegar o copo, olhar para a moça do balcão e fazer cara de granfino, tomando ovo quente como se fosse whisky.

Estão ficando cada vez mais raros os lugares onde é possível o freguês comer, ter aquele dedo de prosa, dar aquela gargalhada e depois ir embora. Sinceramente, ainda não inventaram coisa melhor. Convém aproveitar.

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Respostas de 8

  1. A crônica traz uma reflexão sobre a pausa necessária à vivência pessoal, pois a virtualidade esmaga os indivíduos.
    E eu, que sou do Rio de Janeiro, fiquei com vontade de ir a Belo Horizonte conhecer esse Café Nice…
    Parabéns pelo texto, Leandro Alves!

    1. Muito obrigado, meu amigo! O Café Nice fica ali na Praça 7, desde 1939, é famoso e muita gente como eu adora.

  2. Mais um texto fantástico do Leandro. Lendo o texto, fiquei com vontade de conhecer o café Nice. Pela descrição, parece ser um lugar ótimo que pode servir de refúgio para um mundo tão agitado, tão virtual… Não que isso seja mau, mas por vezes, pousar o celular por uns minutos para trocar risadas com um amigo é um dos prazeres que está se tornando escaço… Párabens pelo texto, e muita força…

    1. Muito obrigado por tudo, querida Juleca!
      De fato, um café antigo, gostoso de ir, acolhedor e que você vai gostar muito.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser