O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

O morro do diabo loiro

 

 

 

O morro do diabo loiro

Leandro Alves

Muita gente quer vender a alma para o diabo, mas não sabe como encontrá-lo. Um endereço de e-mail, presencial, um telefone. Pois eu já me encontrei com o diabo, quer vocês acreditem ou não.

No meu bairro tem um morro, uma ladeira íngreme, que pouca gente sobe, a pé ou de carro. Um mato que ninguém capina, uma escadaria para facilitar a subida de quem mora lá, isso tem; agora subir mesmo o morro, andando ou dirigindo, muito difícil.

Quando eu era criança, quem subia mesmo era o diabo loiro. O diabo era loiro, magro, olhos claros. Usava jeans, camiseta e tênis. E subia o tal morro empinando a moto e em alta velocidade.

Aos domingos, naquele sol de rachar, a meninada escutava um barulho de moto andando pelo bairro todo, subindo e descendo morros. “É o diabo loiro”, vizinhas diziam pra gente quando a gente perguntava.

O diabo nunca fez — pelo menos não que eu soubesse — mal para quem quer que fosse. Nunca vi notícia de roubo, de morte, de agressão de qualquer tipo. O que ele gosta é de correr na moto dele, sentir adrenalina, levantar poeira por onde ele fosse.

Um dia eu estava na rua, menino ainda, quando o diabo passou, parou a moto dele e eu me aproximei querendo conversar: “Você que é o diabo loiro?”, perguntei. “Isso”, “E você não tem medo de cair quando fica aí correndo na sua moto?”, ” Tenho não. Você quer dar uma voltinha?” Eu disse que iria outro dia.

O diabo não apenas não era tão ruim quanto as pessoas falavam, mas gostava de crianças.

Muita gente pode até estar achando minha crônica de hoje um tanto quanto maluca, mas é verdade. O tal diabo loiro era um rapaz que corria numa moto no meu bairro quando eu era criança, subia um morro íngreme que ninguém mais subia, passou anos na vida mundana e terminou a vida quando tentou ser pastor de igreja, época em que pedia para que ninguém o chamasse mais de diabo loiro. Morreu pelas mãos dos desafetos dele.

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Uma resposta

  1. Boa crônica amigo!!!!
    Obrigado!!!!
    Deus te abençoe…
    E cuidado com esses encontros…. Brincadeira!!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser