O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

O mundo e os cachorros

 

 

O mundo e os cachorros

por Leandro Alves

Já faz um tempo, gostaria muito de entender a lógica canina. Dizem que o cachorro é o melhor amigo do homem, Vinícius de Moraes dizia que o “Uísque é o cachorro engarrafado”, que este ser de quatro patas é de uma lealdade absurda, capaz de voltar lambendo nossos pés depois de a gente ter dito para ele o pior dos absurdos, a pior das asneiras, a mais sórdida ingratidão. Até aí, concordo, é verdade.

Outra característica que eu queria entender, essa mania de latir para os vizinhos. Outro dia, entrando no quintal da minha casa, acho que fui buscar uma cerveja no bar da esquina, o cachorro do vizinho colocava a cabeça por cima do muro e latia desesperadamente. Não resisti: “Por que você não late quando uma pessoa estiver de fato invadindo a sua casa?”, “Tem lógica isso que você está fazendo?” Ele falava algumas coisas no idioma canino dele, mas eu ainda não domino muito bem.

Numa amizade, minimamente, pelo menos, o importante mesmo é o diálogo e a colaboração.

Outra coisa: o melhor amigo implica comigo quando vou comprar pães ou um pote de café na padaria, cervejas no bar da esquina, atravessar uma rua no centro da cidade. Motivo: nenhum.

De vez em quando, tento inutilmente o diálogo. “O que eu fiz com você?”, “Eu te conheço?”, “Por que você não late com quem está mexendo com você?” A resposta é sempre no idioma canino, que eu falei acima que não entendo.

Ele faz pipi nas nossas roupas, impede nossa passagem trançando nas nossas pernas no meio da rua, atrapalha na hora do nosso filme preferido, interrompe a leitura de um livro. Que amizade seria essa? Que sentido faz?

A padaria aqui perto de casa tem pelo menos um melhor cachorro a cada esquina, são pelo menos umas quatro rotas entre a padaria e a minha casa. Às vezes, na porta mesmo da padaria, ou nas esquinas, tem sempre um cãozinho avançando. Lixeiros varrendo a rua, vizinhos — aqueles com mais coragem, óbvio — entram no meio deles e abrem passagem para que eu vá e volte em paz impedindo que ele me morda.

Latir para quem ele não conhece, latir para quem não está mexendo com ele ou entrando na casa dele, fazer pipi na roupa do dono da casa que dá casa, comida, água. São tantas coisas que não entendo na lógica deles.

Sim, porque tudo no mundo precisa de uma lógica. De uma razão plausível. Não é? Portanto, soçobraram estas e muitas outras dúvidas minhas quanto o mundo canino, como funcionam as coisas, sobre um modo de diálogo possível, de entendimento. Percebe?

Se não houver tal entendimento babau amizade, convivência pacífica, respeito, essas coisas.

Mulheres costumam ser mais condescendentes com cachorros, aceitam melhor o mundo deles, lidam melhor. Mulher, geralmente é muito paciente; infelizmente, eu não muito.

Crianças, idem. Escolhem o nome para o cachorro praça, brincam, acham graça — o que me leva a concluir que cães gostam mais de mulheres e crianças, óbvio.

Talvez nós, os homens, com raras exceções, somos mais brucutus, mais broncos, sem jeito

E, em meio a tanta ingratidão, pagamos a conta quando vamos na padaria, comprar cerveja, tirar o carro da garagem, andar na rua.

Tudo tem lógica neste mundo, menos o mundo dos cães.

Pior é quando vejo uns Pitbulls andando soltos na coleira aqui perto de casa, lado a lado com o dono, sem latir, sem morder, sem incomodar. O dono ao lado dele com um rádio de pilha no ouvido ou mexendo no celular, alheio a tudo.

Mulheres costumam levar mais jeito para essas coisas e falam com o cachorro, fazem com que ele se sente, obedeça, pare de latir. Já repararam que cachorros acatam muito mais as ordens das mulheres do que dos machos. Os cachorros são profundamente feministas! Pense nisto!

Algum cachorro por um caso já me mordeu? Pior que não! Nunquinha! De vez em quando, tenho a sensação de que alguém reza por mim em alguma parte. Alguém que eu ajudei a atravessar a rua e nunca esqueci, algum amigo do passado, um desconhecido para quem eu dei esmola. Só pode.

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Respostas de 2

  1. O mundo canino é mesmo um mistério!!!
    Análise e crônica muito peculiares!
    Mas, com a qual concordo plenamente!!
    Valeu , meu amigo Leandro!!
    Deus te abençoe sempre!!!
    Sucesso!

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser