O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

O pipoqueiro venceu

 

 

 

O pipoqueiro venceu

Leandro Alves

Em um post de um homem que admiro muito, leio o seguinte: “A pipoca venceu. Muitos acadêmicos que me tiraram para vender pipoca, não. Lutam e lutaram para pagar as contas e economizar uma mixaria para tomar uma no fim de semana, vivem num jogo de ratos e desmerecem o informal. Sim, sou tirado com quem é tirado. A fire corn gang venceu o 2023. Bora marolar em 2024 na paz de Cristo. Fé em Deus e nas crianças. Chora Bebê.”

O rapaz que vende pipocas no cinema onde frequento, mesmo sem saber ainda, talvez ele nunca venha a saber, é meu ídolo. Sim, no cotidiano tem muitos heróis de carne e osso para a gente se inspirar.

O menino que me vende pipocas é compositor, escreveu uma marchinha de carnaval para Belo Horizonte, adora o Rio de Janeiro, tem carro próprio, vai dirigindo para a praia tomar cerveja e exibe — Todo orgulhoso, por sinal — aquele mar imenso atrás dele na foto.

E, de fato, tem muito granfino por aí preso nas paredes de um escritório. Além uma prisão muito pior chamada terno e gravata, óbvio. Uma pressa para ganhar dinheiro, deixar a máquina funcionando, falar em celulares, dar ordens. E tem ainda os acadêmicos, zoando o vendendor de pipocas e ganhando uma merreca para gastar com cerveja. Enquanto isso o pipoqueiro curte a praia, escreve sambas de carnaval, toma banho de mar, curte um bom livro, toca violão, escreve.

Além dele, conheci outros. O filho do meu barbeiro foi na Europa este ano, esteve em Portugal, Madri, Roma. Cortando cabelos, conversando com gente simples, fazendo a barba.

Também me lembro de ter conhecido há muitos anos uma empregada doméstica que, sendo de muita confiança, deu a sorte de trabalhar cuidando do filho de um casal que a levou para conhecer o mundo.

Fora um homem que, antes de cortar cabelos num salão do Padre Eustáquio, foi motorista de confiança de uma construtora de teve a oportunidade de trabalhar em Bagdad, no Iraque. Estando no Iraque, cortava cabelos e fazia a barba dos colegas de trabalho juntando dinheiro para viajar pelos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Itália.

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, disse uma vez Fernando Pessoa. Sempre gostei de rituais, mas nunca soube o porquê. Falei para um amigo que, se eu for ao cinema e não tiver um balde de pipocas e um copo de refrigerante com pedrinhas de gelo, o filme perdia a graça; hoje, ao comprar pipocas antes de ir no cinema, sei que estou ajudando a muitos pipoqueiros a realizarem sonhos. E é ótimo saber que perto da gente existe muitos outros homens de carne e osso para a gente se inspirar. Os heróis não são apenas aqueles irreais da televisão. São gente como nós.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser