O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Oferece para a visita

 

Oferece para a visita

Leandro Alves

Churrasco de fim de semana na casa da Maria Luiza, uma pequenininha de seis anos de idade. Cantoria bem animada, churrasco de todos os tipos, bolo de aniversário. Maria Luiza fazia seis anos. Brigadeiro, doce de leite, beijinho. Aquele era o dia da pequenininha comer de tudo. Sem ninguém puxar a orelha, sem ninguém repreender, sem nada. Era o dia dela. De mais ninguém.
De repente, alguém bate palmas no portão.

— Ô, de casa.

— Entra pra cá, sô.

— Não atrapalha?

— Atrapalha nada não, sô.

Era o vizinho do lado, amigo do pai da menininha, o homem que ouviu música, cantoria, sentiu a fumaça e deu aquela vontade de comer um churrasquinho. A avó da Maria Luiza, Dona Marta, estava na cozinha fazendo um hambúrguer no capricho para a netinha aniversariante: duas carnes, alface, tomate cortado em rodelas, batata palha, ketchup e maionese. Fora o refrigerante, um guaraná bem gelado com pedrinhas de gelo.

— Como vai, Dona Marta? Este hambúrguer estava cheirando longe.

— Você quer um pra você?

— Uai, Dona Marta. Sou de recusar não.

— Depois a vovó faz outro para você, Maria Luiza.

A pequenininha olhou bem para a avó, fez uma carinha bem séria, cruzou os braços, olhava com olhinhos furiosos.

— É meu. Só meu.

— Maria Luiza, cadê sua educação. É assim que fala com as visitas, é? Vou já já contar para sua mãe.

— Deixa, Dona Marta.

— Deixa nada.

— Não confia na vovó, Maria Luiza?

Quem já passou dos trinta sabe o significado da expressão “Oferece para a visita”. Tem visita que só chega sem avisar na hora dos parabéns do aniversário, na hora do primeiro pedaço de bolo, na hora que o hambúrguer da gente está pronto, na hora da pizza.

— A professora falou que pegar coisa dos outros é feio.

— Mas ninguém está pegando não, minha querida. Você que está oferecendo porque a mamãe falou que tem que oferecer para a visita, que você é uma menina boazinha, educadinha.

— É meu e pronto.

— Mas a vovó faz outro para você, não confia?

— Então faz o outro para ele.

— Sua mãe vai colocar você de castigo.

— Mas quem veio pegar meu hambúrguer foi ele.

Fim da batalha. O hambúrguer ficou mesmo com Maria Luiza. Ele circulava pela área toda do prédio, pulava, sorria vitoriosa, imbatível.

O vizinho sentou-se junto com o pai da menininha, comia churrasco, bebia e cantava ao som de um violão. A mocinha chegou para ele perguntando na lata:

— Que hora você vai embora?

A festa foi até altas horas, a menina dormiu no colo da avó, a avó colocou na cama, a casa foi ficando vazia e aquela bagunça da festa para arrumar.

A mãe da Maria Luiza pergunta para o pai bem assim:

— Quem foi que chamou esse cara?

— Eu.

— Você?

— Fui eu.

— O que foi que deu na sua cabeça?

— Uai. Ele bateu palmas aqui e chamei por educação. Quem imaginaria que ele iria aceitar?

Convite de mineiro é assim. Se convidou uma vez, pode ser que tenha sido por educação. Se convidou duas, três, quatro ainda pode ser que esteja sendo apenas educado. Só aceitar o convite se o dono da casa insistir pelo menos umas seis vezes.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser