Pegar na mão
Crônicas
Leandro Alves
Uma pergunta que nunca me saiu da cabeça: você já reparou o quão eróticas são as nossas mãos?
Só que eu não falo de mão naquilo, aquilo na mão, essas sacanagenzinhas óbivas de filmes de sacanagem. Não, meus amigos, definitivamente não. É uma sacanagenzinha bem inocente, sabe? Muita gente faz, quase ninguém assume que faz, que é o proveito que muita gente tira das mãos em certas situações.
Pode ser uma aventura pegar na mão de gente que a gente não conhece. Você está lá, distraído. Ou fingindo -se distraído. Ah, você entendeu. Pode ser no cartório tirando um documento novo, numa loja comprando um chocolate, na recepção do dentista, numa livraria escolhendo um livro, no restaurante pagando a sua conta. Aí alguém se encosta no balcão e simplesmente pega na sua mão. Aquele olhar rápido, só aquele tempo de sentir o roçar de mãos mesmo, depois a despedida e cada um vai embora.
Ao conversar com alguém que te faz cantar “Meu bem, você me dá água na boca” em pensamento, experimente deixar as duas mãos distraidamente em cima da mesa. Vai reparar se ele ou ela vai recolher a mão com timidez, franzir a sombrancelha como sinal de reprovação, passar as mãos nos cabelos para mostrar uma aliança ou simplesmente deixar as mãos livres.
É uma sedução sutil, que requer muita frieza, uma naturalidade fingida. O momento de colocar o cartão de crédito na máquina pode ser uma boa oportunidade. Oportunidade de curtir numa alisada na mão bem rápida, uma troca de olhares, um toque físico que pode ser muito prazeroso.
Mesmo assim, veja bem. Não é o simples fato de pegar na mão o gesto cheio de segundas intenções. Segurar as mãos durante uma conversa, se o papo estiver bom, pode ser apenas um gesto simpático, amigo, sem malícia alguma.
Falo bem é de outra coisa. Aproveitar um momento em silêncio com alguém em uma situação formal, arriscar-se, tocar na mão da pessoa de leve e olhar rapidamente. Ou, simplesmente deixar sua mão em cima da mesa e esperar. A hora de passar o cartão na máquina, o momento de pegar o troco no caixa da farmácia, numa consulta no consultório dos dentistas preferidos, na hora de pegar a hóstia na missa. É bom deixar as mãos em cima da mesa e olhar discretamente para ele ou ela. Se alguém já escreveu sobre isso, não sei. Sei que reparo nesta sacanagenzinha já faz um bom tempo.
E pode ser feita em público, sem nenhum problema.
Deu uma vontade tão grande de cantar Carmem Miranda: “Acreditei nessa conversa mole / de que o mundo ia se acabar / e fui tratando de me despedir / e sem demora fui tratando de aproveitar / beijei na boca de quem não devia / peguei na mão de quem não conhecia / dancei um samba em traje de maiô / e o tal do mundo não se acabou”.
Pois é. Acabei me lembrando que quem reparou antes foi o poeta baiano Assis Valente. Mas não importa, acho.
Pegar na mão de gente conhecida? Ah, convenhamos que não tem muita graça. Tira um pouco o sabor do pecado, da aventura, do frio na barriga. Sei é que pode ser tão bom ou até melhor do que uma trepada.
Ilustração da crônica: “Flerte no poço”, do pintor italiano Eugene de Blaas
Respostas de 2
As mãos, tem vida própria!!!
Só um simples toque delas em outras pode suscitar paixões…
Bela sua crônica amigo!!!
Muito obrigado por esse presente!!
Gensilson, nossas mãos são poesia pura.
Elas transcendem a linguagem das palavras.
Não sei, mas poucos poetas hoje em dia notaram nossa linguagem das mãos.