O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Sinal fechado

 

 

Sinal fechado

Leandro Alves

Minha amiga Nic é briguenta, militante política, avó, poeta e cronista. Aposentada, com uma alegria invejável de viver, uma das gargalhadas mais incríveis que já ouvi na vida, sai sete dias por semana para lugares diferentes. Está sempre experimentando novas comidas, nova gente, lugares, ruas, cidades. Há algo sedutor naquele seu jeito espevitado: fala com desconhecidos com uma desenvoltura de dar inveja. Em filas, no táxi, na padaria, no ônibus. Certa noite, depois de um sarau de poemas, ali pelas bandas da Avenida Antônio Carlos, na UFMG, era tarde da noite e a gente saía esperando o ponto de ônibus mais próximo. Sinal fechado. Um casal num carro nos aborda.

— O que está acontecendo aí?

— Um sarau de poesia.

— O que?

— Mas esta hora da noite?

— É.

— Vocês moram em BH?

— Não, a gente é da Paraíba.

— Longe, não é?

— Um pouquinho.

— Você é poeta?

— Sim, ele também é.

— A gente precisa marcar qualquer dia.

— Claro, quando quiserem.

— Na Paraíba?

— Na Paraíba.

O sinal abriu, o carro arrancou e lá se foram nossos amigos paraíbanos. Sem dizerem os nomes, sem deixar telefone, sem nada. Como se fossem meros detalhes. Combinamos de tomar um ônibus, descer num bar da Praça 7, sentar lá e esperar que amanhecesse.

Não resisti e perguntei:

— Você pegou pelo menos o telefone deles?

— Eu não.

— E como é que a gente vai encontrar com eles lá na Paraíba?

— Ah, quando chegar lá a gente decide.

Aí nenhum de nós dois conseguiu mais parar de rir.

 

Crédito da imagem: Pinterest.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser