O blog do Leandro Alves

As pessoas são todas umas bisbilhoteiras.  Falam dos vizinhos, falam dos amigos pelas costas, espiam a vida dos outros.  O jornaleiro, o dono da padaria, o cobrador do ônibus, o marido da vizinha, o professor do colégio — ninguém escapa deste prazer humano de falar da vida dos outros.  Pode ser falar bem, mas também falar mal. Algumas pessoas são como eu, transformam tudo em crônicas.

Leandro Alves

Sonho estranho

 

Quarteirão da Rua Carijós – BH

 

Sonho estranho

Leandro Alves

Em alguns momentos eu achei que ele estaria brincado, mas não estava. Nós nos conhecemos numa gráfica, uma empresa que fazia triagem de cartas para os Correios, saindo aquele bolo de cartas de uma máquina, embaralhando todas e nós, os funcionários, separando por CEP e região. Não era lá o trabalho mais divertido do mundo, mas acho que todo mundo nos primeiros empregos já teve alguma ocupação cacete ao longo da vida.

Ele se vestia de uma forma engraçada com uma camisa social dentro da calça, dando aquela visibilidade tão indesejada para a barriga, os cabelos penteados para o lado, polchete e um sorriso de pastor da Universal. Ele nunca teve intenção de ser pastor, claro; só que algo no sorriso dele me lembrava os pastores, principalmente aquela bochecha enorme que ele tinha quando sorria daquele jeito. Aliás, ele estava sempre sorrindo.

Ele tinha a fama de não pagar refrigerante para a namorada, a menina com quem ele pretendia se casar.

— Mas ela vai casar com você mesmo, Renato?

As meninas que trabalhavam com a gente eram do tipo que acham que homem não deve pedir para a mulher dividir a conta por várias razões: a mulher gasta com cabelo, maquiagem, perfume, depilação.

— Você não paga nem um refrigerante para ela, Renato?

— Eu acho que uma latinha da para nós dois.

— Uma latinha para os dois? Larga de ser pão duro, Renato. É pra comer?

— Eu já vou jantado.

Ele ria com aquele riso de pastor em dia de domingo, bochechudo, divertido. Não pagava refrigerante, porção, pizza, nada. E mesmo assim ia casar. Como dizia um provérbio Irlandês antigo: “Três tipos de homens não entendem nada das mulheres: os jovens, os velhos e os que estão entre os dois”. “As mulheres são feitas para serem amadas, não para serem compreendida.”, já dizia o escritor Irlandês Oscar Wilde.

O que mais conheço é homem gentil, trabalhador, boa praça, cristão que não sabe o que é mulher há meses.

— O Renato é muito mentiroso, gente. Que mulher que aguenta esse tipo de coisa?

— Você leva esse tipo de coisa a sério?

Era o que os meninos e meninas da empresa comentavam. Quando o Renato não estava perto, claro. Estranhavam, comentavam faziam perguntas. Só que era engraçado, lá isso era.

Mas o que ficou mesmo é quando ele disse que um dia, quando Deus permitisse, que o maior sonho era ser agiota. Emprestar dinheiro a juros, chamar o negão da picona para cobrar, ganhar o dobro, ser uma espécie de cangaceiro.

Não sei se a gente diz muita besteira quando dá risadas, mas, verdade ou não, eu sempre soube que esta história me renderia uma crônica.

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Foto: Gustavo Noronha

Leandro Alves
Muito prazer!

Mineiro, de Belo Horizonte, cronista, formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas.  Comecei a escrever crônicas postadas nas minhas redes sociais, muita gente gostou e eu continuei. Atualmente, cronista do jornal Porta Voz de Venda Nova. O jornal é impresso, mas esporadicamente também é distribuído online.

Participei do livro “Escrevendo com as emoções”, editora Leonella, sob a curadoria da escritora Márcia Denser.  De 2015 até maio de 2023, participei do Estúdio de Criação Literária, nos formatos presencial e online.

Depois de ler “O padeiro”, crônica de Rubem Braga, e “Flerte”, de Carlinhos de Oliveira, decidi que o que mais desejo fazer nada vida é ser cronista.

Acredito que todos nós, sem exceção, todo dia que saímos de casa, queiramos nós ou não, participamos de um grande filme mudo chamado vida e que tem sempre alguém bisbilhotando tudo o que a gente faz e falando da gente pelas costas. Neste caso, alguns são como eu e escrevem crônicas.  Muito prazer!

Curadoria Márcia Denser