Uma crônica debaixo do sovaco
Leandro Alves
Na semana passada eu falava da Nic, minha amiga espevitada que já é mãe, avó, cronista, poeta, militante. Não necessariamente nesta ordem, claro. Nic, quando ainda morava em Belo Horizonte, gostava de bater perna comigo em saraus de poemas, virada cultural, festival de cinema, shows de blues. Era tão bom comer aquela broa de fubá quentinho com ela, numa daquelas lanchonetes do centro, depois de passar a noite inteira rodando de palco em palco na virada e Belo Horizonte.
O sarau era ali na Praça Floriano Peixoto, sábado à noite, lá pelas sete horas da noite. Os poetas, que eram na maioria jovens, sentados em circulo. Começou o sarau, naquele dia ficaria apenas ouvindo.
Os poetas: jovens em média de dezoito a vinte anos, meninos e meninas, um poeta cabeludo.
Uma menina de cabelos grisalhos pede a palavra, todo mundo acha que é poesia.
— Gente, Deus tem um chamado para vocês. Deus conhece a história de cada um de vocês, tem um plano perfeito, porque vocês são mundo inteligentes. Vocês só precisam parar de ser rebeldes.
— Nãooooo, com rebeldia.
—Deus tem um plano na vida de cada um.
— Posso continuar a falar?
— Eu criei meus três filhos para serem rebeldes.
Ficaram as duas ali, naquela peleja, uma vela para Deus e uma cachaça para o santo. Os poetas, todos em silêncio esperavam quando aquilo tudo iria acabar. Logo a pregadora ficou quieta, a Nic conseguiu converter aquela mulher à poesia. Violão, poemas, cantoria. Como dizia o Gaucho da Fronteira: “É disso que o velho gosta, é isso que o velho quer.”
Depois do sarau seguinte, os jovens poetas falaram que só a Nic poderia colocar a pregadora no lugar dela. Naquela época, sempre que a gente se via, quando a gente entrava numa de bater perna pela cidade, minha amiga sempre me dizia: “Hoje vou com algumas crônicas debaixo do sovaco”. Aliás, tem palavra mais perfeita para combinar com uma crônica do que sovaco? E as dela são tão boas, empilhadas aos montes em sacolas na casa dela em Belo Vale, todas manuscritas, que um dia ela fala em digitar em colocar em livro.