Uma senhora
Leandro Alves
Que extraordinária mulher, que personagem incrível, esta senhora que conheci no cinema Belas Artes! Caso você goste de filmes e more em Belo Horizonte, certamente a conhece. Baixinha, cabelos curtos, óculos, vestindo sempre jeans e camiseta básica, andando de muletas para lá e para cá. Não sei com o que trabalha, o que faz para ganhar a vida, não sei se já foi casada, se teve filhos. Se for julgar pelos hábitos, diria que é uma solteirona que vive com os pais ou sustentada por algum parente. Claro, é uma mulher que adora filmes. Gosta de cinema de rua com cafeteria, livraria, frequentadores mais ou menos fiéis, lugares sofisticados, diferentes. A primeira vez que a vi, fascinado, foi num domingo, ali no Belas, quando ela, uma senhora franzina de seus quase sessenta anos, estava sentada na mesa de uma madame com uma revista da Avon aberta oferecendo perfumes, cremes sem que a madame a enxotasse, chamasse o segurança, sem que ela simplesmente se levantasse ou trocasse de mesa. Num outro momento, numa sessão de uma sexta-feira à noite, pouco antes do trailer começar, sentada numa das primeiras cadeiras e de frente para a tela ela levantou-se, olhou bem para a plateia e perguntou: “Quem é que está de carro aí?” Uma mulher na plateia levantou a mão, às gargalhadas, disse “eu estou”. “Então é você que vai me levar para casa”. Conversando com um amigo, também frequentador do cinema, um rapaz que adora estudar e ler na cafeteria também, disse que ela era conhecida ali, que ela marcava, sim, o rosto do frequentador do cinema. Ia até o carro dele, entrava, se recusava a sair enquanto ele, louco da vida, mas sem coragem de dizer um nome feio, não a deixasse na porta da casa dela. Certa noite, acho que numa sexta-feira, nossa amável personagem, que é deficiente e usa muletas, subiu pelo elevador especial para ir ao segundo andar do cinema. Não é que, ao descer do elevador, o porteiro ofereceu ajuda para que ela chegasse na porta da sala de projeção. Não, ela recusou a ajuda daquele porteiro, baixinho e feio, para ir até a sala de braços dados com um coroa bonitão que ela viu na fila.
Quando a pandemia veio, o cinema fechou e todo mundo ficou em casa por uns tempos. Eu me perguntava por onde andava aquela mulher, como estava fazendo para suportar o isolamento social que o Coronavírus trouxe, aquela mulher que era quase uma personagem incorporada a cada um dos filmes que a gente via ali.
Acredito que, neste mundo de gente tão ensimesmada e de mal com a vida, muita gente queria ser como aquela mulher tão ingênua, tão intrigante, ao mesmo tempo tão doce que hoje, infelizmente, não faço a menor ideia por onde anda.